1. Depois do flagelo dos incêndios que no ano passado destruiu vidas, casas e floresta nada pode ser como antes. Se num primeiro momento o próprio primeiro-ministro sacudiu a água do capote e responsabilizou todas as pessoas pela falta de empenhamento na defesa da natureza – o Estado deu um mau exemplo, não limpando, deixando arder, não protegendo e não ajudando a recuperar – depois, o governo comprometeu-se a evitar tragédias como as que ocorreram em Pedrógão e a 15 de outubro. A seca e as altas temperaturas em junho e outubro queimaram milhares de hectares num país ostracizado e despovoado, num país pobre e envelhecido, num país abandonado e desprotegido, que permitiu que mais de 100 pessoas morressem. Um país que pensávamos que já não existia; um país rural e atrasado que, desde os corredores da capital, era desprezado. Tanto que esse país ardeu num dia, numa noite, à velocidade das chamas num barril de pólvora há muito plantado nas serras e vales do Centro de Portugal, no Portugal profundo.
Mas a ocorrência de grandes desastres induz à tomada de grandes medidas. E, por isso, «custe o que custar», os proprietários dos terrenos, em primeiro lugar, e as autarquias depois, vão ter de pagar caro pela limpeza da terra, pela gestão das propriedades. Os proprietários tinham até hoje para fazer a limpeza dos terrenos e as autarquias têm até 31 de maio para garantir que estes trabalhos serão feitos. Uns e outros queixam-se de falta de tempo, de falta de dinheiro, da falta de recursos, da falta de pessoas para dar resposta a uma obrigação legal com uma dúzia de anos e que agora não será mais protelada – a GNR é convidada a ter uma atitude pedagógica e menos severa nesta fase (até porque depois de meses sem chover as últimas semanas foram de chuva intensa), mas não se deve esperar laxismo das autoridades nos próximos meses; as coimas, quando começarem a ser aplicadas, serão impiedosas. Mas o mais importante: é mesmo necessário, é urgente, limpar os terrenos, para resistir ao fogo, para salvar vidas e recuperar a flora.
2. Uma semana depois de ter sido lançada a obra de requalificação da Linha da Beira Baixa e o governo ter dado um sinal claro de que aposta na ferrovia, um relatório da Infraestruturas de Portugal evidencia que 60% das vias férreas portuguesas estão em mau estado.
O troço Guarda-Covilhã, cujas obras deverão estar concluídas no verão de 2019, irá ser determinante para o fecho de malha e a redundância de rede na zona centro do país e deverá também contribuir para descongestionar a Linha do Norte e a Linha da Beira Alta e promover canais alternativos e mais curtos ao tráfego internacional de mercadorias. Mas esta aposta chega com imenso atraso. Tanto que, segundo o relatório da Infraestruturas de Portugal, a Linha da Beira Alta, de Vila Franca das Naves à Pampilhosa, está em mau-estado ou tem condições medíocres – enquanto a linha Aveiro-Viseu-Mangualde (ligação à Linha da Beira Alta) não sai do papel.
Depois do logro da alta velocidade com Sócrates (gastaram-se milhões em estudos e consultadoria nos supostos projetos de TGV para nada) com a crise, a modernização foi abandonada e a aposta na ferrovia desprezada. Enquanto por toda a Europa a alta velocidade vai entrando nos carris, Portugal ficou completamente fora da linha da modernidade ferroviária. Em Espanha, o AVE vai unir todas as “capitais” espanholas em breve (está em construção uma rede de alta velocidade que irá unir as cidades espanholas e impor o comboio como o transporte do século XXI de nuestros hermanos). Em breve, os portugueses poderão viajar para a Europa em alta velocidade, mas terão de apanhar o comboio em Sanabria, a pouco mais de 40 quilómetros de Bragança, e em breve a partir de Salamanca. Perdemos o comboio há muito e o estado das nossas infraestruturas ferroviárias não augura grande futuro.
Luis Baptista-Martins