O Dr. Correia de Campos foi demitido ou demitiu-se, tanto faz. Todos percebemos que caiu, sem que tenha havido greves ou pressão corporativa dos profissionais de saúde. Caiu porque apareceu demais, porque tinha aquele feitiozinho desagradável, porque era teimoso, porque continuou a partir cadeiras, porque tinha que fazer mudanças, porque tinha que gerir com muito pouco dinheiro, porque se deixou enrolar na malha, porque começou a dar demasiada visibilidade ao INEM. Caiu como cai qualquer anjo, quando as asas se molham e ficam pesadas. Seria a política de Correia de Campos de “direita”? Claramente que sim. Abria espaço ao investimento privado, desvalorizava o investimento público recente e deitava-o para o lixo. Num país de parcos recursos, fechar um Serviço de Urgência que tinha sofrido obras e recebido novo material recentemente, fazendo-o substituir por ambulância verde fluorescente com “pinoni azul” e barulho estridente, não lembra a ninguém. Mais uma vez lá estavam os recursos do INEM a dizer “aqui estamos para o que der e vier”. Mas o que veio, foi para infelicidade de todos um lactente sem vida, que morreria de qualquer forma, com uma diferença, se a Urgência ainda existisse em Anadia, não teriam que fazer teatro a transportar um cadáver para o Hospital Pediátrico. Ninguém falou, ninguém disse, mas aquele transporte foi um crime na verdadeira acepção da palavra. Depois veio aquele telefonema entre o CODU e os Bombeiros de Favaios. Será que o INEM não sabe que meios tem no terreno? Então fecharam os SAP ali à volta e não foram substituídos pela ambulância verde fluorescente com tudo a que tinha direito (“pinoni” incluído). Imagine-se o bombeiro que era também telefonista, motorista e socorrista quando lhe disseram “dirija-se para lá e certifique se o homem está morto e leve o material de suporte básico de vida porque afinal pode não estar morto” e mais, “o suporte avançado (VMER) só lá chega daqui a uma hora”, perfeitamente a tempo de reanimar o que quer que seja desde que esteja vivo! Trate de manter o morto vivo até eles chegarem, porque aí à volta não tem ninguém que lhe possa garantir que o morto está mesmo morto. O apogeu desta conversa dá-se quando o “faz tudo” de Favaios respondeu entre dentes que estava sozinho. Surrealista, digno de estar presente na colecção Berardo. Fecharam-se Maternidades, e as mulheres, mais teimosas que o ministro, em vez de prepararem a mala com o enxoval atempadamente, continuam a deixar tudo para a última hora e lá foram nascendo algumas crianças na estrada. A gestão empresarial público-privada também não deu os resultados esperados, os incentivos assimétricos às equipas que se dedicam aos transplantes são uma vergonha, as redes de referenciação não funcionam, a debandada de técnicos do público para o privado foi uma realidade amarga. Poupa-se de forma avarenta de um lado e gasta-se de mãos largas do outro.
Foi esta realidade portuguesa que o ministro não tinha percebido e que os media de forma teimosa nos mostraram.
O Dr. Correia de Campos caiu como qualquer anjo, sem culpa formada. Acreditou que se os media nos vendessem uma pseudo realidade todos acreditávamos, mas virou-se o feitiço contra o feiticeiro. Correia de Campos tornou-se demasiado visível. Mas então porque substitui-lo por Ana Jorge, ligada a uma linha do PS distante do pensamento do Primeiro-ministro? Vai o Governo mudar a política para a saúde? Vão reabrir SAP, Maternidades e Urgências? Vai mudar a gestão empresarial dos Hospitais? Claro que não. Ana Jorge fará um compasso de espera, vai estudar os processos, vai fingir que não faz, fazendo. Entretanto Sócrates, o pensador, aproxima-se de Manuel Alegre, reconcilia-se, segura a Assembleia da República (a esquerda do PS), que estava a claudicar. Entre o surrealismo e o impressionismo não sei bem onde classifique a jogada.
À queda de um anjo outro renasce das cinzas mantendo o mesmo estatuto, problema é que nem todos são anjos da guarda. Não se distraiam os políticos da Guarda, porque esta coisa de tomar conhecimento dos dossier pode resultar em esquecimentos de gaveta, como por exemplo o hospital novo. Coisa pouca, porque quem esperou pacientemente uma década, pode perfeitamente esperar muito mais, porque anjos somos todos nós.
Por: João Santiago Correia