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Que país…!

Editorial

O debate sobre as sanções a aplicar a Portugal pelo não cumprimento das regras do Pacto de Estabilidade foi de uma enorme indignidade e prolongou-se por demasiado tempo. As regras são para cumprir e Portugal, de forma reiterada, não cumpriu a regra do défice inferior a três por cento. Porém, Portugal não foi o único país a incumprir e, no último ano, as duas décimas foram uma questão técnica que o governo poderia ter gerido de outra forma e não seria muito difícil lograr o cumprimento. Ou merecer atenuantes.

O pior é que num tempo em que a Europa está a braços com problemas historicamente graves, como a saída do Reino Unido (“Brexit”) ou o fraco crescimento da economia europeia – que leva anos de crescimento anémico –, vemos como os dirigentes europeus perdem tempo com o défice português ou o espanhol, cujo incumprimento é mais elevado que o português – 4,8%. Curiosamente, Espanha resolveu atempadamente problemas estruturais e equilibrou financeiramente o sistema bancário, liquidando bancos ou “limpando” as contas dos bancos das imparidades provocadas nomeadamente por uma gigante bolha imobiliária: um terço dos bancos espanhóis foram fechados ou agregados e 30 por cento dos funcionários foram despedidos. Mas não conseguiu, ainda, cumprir o compromisso do défice, nem o irá conseguir antes de 2018.

Em Portugal optou-se por medidas, a priori, menos violentas ou exigentes, com uma opção estratégica errada: baixar o rendimento, reduzir os salários. Passos Coelho acreditava, e continua a acreditar, que baixando o custo da mão-de-obra a economia seria mais competitiva. Os portugueses ficaram mais pobres, o investimento não apareceu, os bancos que deviam ter fechado não fecharam (pelo «risco sistémico») e o dinheiro que os credores emprestaram foi para despesa corrente. Conclusão: adiaram-se as reformas, o sistema financeiro está desequilibrado e meio falido, a Caixa é um gigante com pés de barro que precisa de três mil milhões de euros e que tem de despedir mais de três mil pessoas (ou os portugueses terão de continuar a pagar a manutenção dos postos de trabalho de um banco que não se modernizou), o Novo Banco é mantido artificialmente mas devia ter sido liquidado ao ser descoberto o buraco Espírito Santo (e quanto mais tempo estiver aberto mais caro sairá aos portugueses) e a dívida pública portuguesa cresceu exponencialmente (em 2000 era 50,3% do PIB; em 2010 era 94%; em 2015 passou para 128% do PIB). Entretanto, os lesados do BES e os lesados do BANIF andam mais calmos porque alguém os irá indemnizar, nem que seja parcialmente (os demais portugueses com os seus impostos); ninguém vai preso (nem sequer Ricardo Salgado que levou ao charco o GES e o BES ou Zeinal Bava que, com a sua ambição desmedida, entregou a maior empresa portuguesa aos brasileiros falidos da Oi que depois a espartilharam para a vender aos franceses); os quadros superiores da banca e das grandes empresas públicas continuam a ser bem remunerados (apesar da evidente incapacidade para gerir negócios); Portugal continua a depender de meia dúzia de empresas a sério (a maioria multinacionais estrangeiras) e das PME’s (geridas por pequenos empresários e gestores desconhecidos, sem pedigree, esforçados, audazes e trabalhadores, que garantem o funcionamento da economia, pagam impostos e empregam a maioria dos portugueses) – tudo isto enquanto o país é dominado pelos partidos políticos e os partidos são quase sempre dominados por gente de pouco caráter, oportunistas e corruptos. O destino de Portugal está nas mãos dos portugueses, mas, infelizmente, passados 40 anos sobre Abril, os portugueses decidem cada vez menos.

Luis Baptista-Martins

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