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Quarta Carta

Cartas da Faculdade

Por Maria João Pinto*

As três semanas de férias com que fomos brindados – no caso de termos feito todas as cadeiras à primeira, com resultados satisfatórios – foram um excelente tónico para todas as noites mal dormidas, todas as horas consumidas por entre enzimas e músculos, todas as partículas de cansaço que se tinham acumulado em nós. No final, estávamos prontos para começar um novo semestre, plenos de força e vontade de estudar – isto, somente em teoria. Porque, na verdade, as férias, por mais adoradas que sejam, têm sempre um efeito secundário que, não sendo propriamente desagradável, acaba por ser inconveniente: a quebra da rotina.

Assim, quando os caloiros (e não só…) regressam à faculdade, já perderam todo o ritmo de estudo que a época de exames lhes imprimiu. Os primeiros dias são imediatamente reservados para rever os colegas; as primeiras noites são bem aproveitadas, porque, em breve, serão partilhadas apenas com os livros. Cria-se, rapidamente, uma nova rotina, muito mais apreciada do que a antiga, e, como tal, mais difícil de abandonar. No entanto, a agenda cedo começa a ficar preenchida: é preciso começar a estudar.

Um ponto positivo é que, agora, já não somos caloiros-caloiros, acabadinhos de chegar ao Ensino Superior, totalmente inexperientes. Já sabemos com o que contar, que livros e sebentas é preciso comprar, que cadeiras temos de acompanhar melhor, que horas podemos despender com ninharias. De recém-nascidos, passámos a bebés: já ensaiamos alguns passos, incertos e amedrontados, mas a curiosidade transforma-se rapidamente em audácia e faz-nos andar – e estudar, neste caso.

Entretanto, há algo no horizonte para o qual olhamos de vez em quando, algo que nos anima. Não, não são as férias (?) da Páscoa; tão-pouco são as de verão, tão longínquas ainda. A nossa pedra filosofal é, agora, a Queima das Fitas. Qualquer estudante universitário que se preze anseia por esta época, por um motivo ou por outro. No caso dos caloiros, há um perfume de antecipação misturado com curiosidade pelo ar, o qual torna tudo ainda mais especial. A perspetiva da primeira Queima, da subida na hierarquia de Praxe, de uma segunda e melhor Latada, seduz qualquer um…

Não é, contudo, altura de nos perdermos em sonhos. Há que intercalar os preparativos e as expectativas com as necessidades presentes, cada vez mais presentes e urgentes, certos de que, como Ricardo Reis dizia, “a vida passa”. Quando nos apercebermos, já chegou a noite da Serenata; é, pois, preciso enlaçar as mãos com os nossos deveres e deixar as paixões para essa semana, que se adivinha mítica.

Relutantes, pegamos no atlas de Anatomia e forçamo-nos a não cometer os erros do primeiro semestre. Errar por inexperiência é comum – e, arrisco dizer, bom sinal –, porém, só erra duas vezes da mesma forma quem não pensa. E, estou certa, nenhum de nós quer ser acéfalo.

* estudante do 1º ano de Medicina na Universidade de Coimbra

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