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Quanto mais pobre, mais rico

Bandarra-Bandurra

Zenão de Eleia era um filósofo e político grego, cujo entretenimento era a elaboração de paradoxos. Assim sendo, sendo filósofo e, por sinal mais (ou menos), ainda político, nada de admirar que daquele bestunto saísse uma caterva de paradoxos, tais os que são produzidos nas massas encefálicas dos seus colegas portugueses de hoje.

Ora, o nosso Zenão, para além de ter assegurado que uma flecha em movimento está a qualquer instante em repouso, deixou-nos outro paradoxo, o do atleta Aquiles (uma espécie de Carlos Lopes da época) e a tartaruga. Provou com a sua teoria que Aquiles jamais alcançaria o lento quadrúpede da carapaça, porque “se se der à tartaruga uma pequena vantagem, quando o corredor chegar ao ponto de onde a tartaruga partiu, ela já terá percorrido uma nova distância; e quando ele atingir essa nova distância, o bicho já terá percorrido uma outra nova distância, e assim, até ao infinito.”

Se vivo fosse, o Zenão nem sequer se preocuparia com outro paradoxo para assegurar que a Grécia estava bem e os outros mal, mas viria colher a esta horta à beira mar plantada – que é Portugal – os legumes para um compêndio das suas contradições. E eu, na mina modéstia contributiva, daria uma pequena ajuda, porventura com legumes do jaez seguinte.

Primeiro paradoxo: um país que se encontra endividado, sem dinheiro para “mandar cantar um cego” tem capacidade para emprestar a outro país endividado. Para melhorar o ramalhete de ambos os inadimplentes (vulgo, caloteiros), ambos contraem novos empréstimos para pagamento dos juros dos empréstimos. Depois, ainda há quem critique as “sobras de Portugal” que iam para matar a fome em Espanha durante a guerra civil, quando o rincão luso andava com o estômago a dar horas!

Segundo paradoxo: o mesmo país endividado, que não sabe onde há-de ir buscar o dinheiro a não ser ao salário dos verdadeiros trabalhadores para pagar os juros das dívidas da sua má gestão, propõe-se a contrair mais dívidas com a “sumaúma” de TGV´s, terceiras travessias de um rio que está farto de ser atravessado e a construção de um aeroporto novo para competir com o aeroporto velho. A teimosia de quem tudo manda, ainda que com mais “mansidão” – nas palavras de um deputado, cuja tia, na opinião do visado, também era “mansa” – observa que os investimentos produzem mais riqueza e mais labor!

Terceiro paradoxo: um bacharel de Coimbra, cujo bacharelato podia provir de Eleia à compita com o do condiscípulo Zenão, que tirou a licenciatura na recém-formada (ora recém-demolida) Universidade Independente, ainda com uma pós-graduação em engenharia sanitária (para nos tratar da saúde), e que é por acaso primeiro-ministro, assinou projectos na Câmara da Guarda onde o único risco que traçou foi o da assinatura. Mais serve a inconformidade por se tratar de mamarrachos que o próprio não terá visto mais pintados.

Quarto paradoxo: uma deputada da AR eleita por Lisboa, mas que reside em Paris, recebe dos contribuintes de todo o Portugal o pagamento das viagens entre a sua residência e o seu local de trabalho. Para, mais uma vez, compor o ramalhete, Jaime Gama – ou Jaime Gama de Eleia – esclarece a nossa pequenina inteligência que os pagamentos daquelas despesas resultam “em nome do princípio constitucional de que os parlamentares devem dispor dos meios para cumprir as suas funções”. A pobre coitada até nos presta um favor: imagine-se que vivia em Port Moresby, capital da Papua Nova Guiné! Enfim, a actriz de películas (reparem nos títulos) como “Sem Sombra de Pecado”, de “Tempos Difíceis”, “Aqui na Terra”, “Ossos”, “O Sangue”, “Os Cornos de Cronos” e de “A Culpa”, leva-nos a considerar que o partido socialista não encontrou mais perto do círculo eleitoral de Lisboa pessoa com capacidade para participar na AR como deputado ou, como se diz em gíria parlamentar, “deputado de cu”, que apenas levanta(va) o dito para votar. É caso para jungir os títulos da filmografia e dizer que a deputada, sem sombra de pecado, não tem culpa dos tempos difíceis aqui na terra, que se limita a beber o sangue e a deixar-nos os ossos para que fiquemos todos nos cornos de cronos.

Quinto e último paradoxo (mais não, porque não tenho o espaço todo)- no país endividado, em que se pedem sacrifícios a todos os que já o fazem, há alguns que têm os cargos mais bem pagos inerentes a países que nada devem, só porque estão no posto cimeiro de uma empresa – a EDP – que lucra com a magreza dos já sacrificados, para lhes vender bem vendido luz, calor e energia. Neste paradoxo, os portugueses estariam nas tintas para saber se o António Mexia, naturalmente de Eleia, mexia mesmo alguma coisa para merecer o caudal de proventos, não fosse o caso de se saber que eles pagam mais pela electricidade do que os seus vizinhos espanhóis que receberam, em tempos, as nossas “sobras” e que as empresas desta lusa gente desembolsa mais pelas suas facturas energéticas do que as da vizinha Espanha.

Tal como o Bandarra, patrono desta coluna, rio para não chorar. E, para terminar o arrazoado, uma trova sua e uma trova minha adaptada à sua, aqui deixo. Ele vaticinou:

“Sou sapateiro, mas nobre/Com bem pouco cabedal;/ E tu, triste Portugal,/Quanto mais rico, mais pobre.”

Eu vaticino, por ele:

“Sou sapateiro, mas fico/Com bem pouco cabedal;/ E tu, triste Portugal,/Quanto mais pobre, mais rico.”

Por: Santos Costa

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