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Quando é que Ricardo Salgado pede desculpa?

Acumularam uns tostões ao longo de uma vida de trabalho e, naquele maldito dia, resolveram confiar o mealheiro ao gestor de conta do BES, esse indivíduo fatal que lhes garantia, qual vendedor de feira, um produto maravilhoso. Este papel comercial é à confiança, dizia ele, tem uma rentabilidade estupenda e a marca BES, cento e cinquenta anos de seriedade, etc. E assim foi: confiaram no nome, depositaram a vida no apelido que sugava o ar das salas onde entrava, assinaram de cruz um papel que exalava o perfume oitocentista da aristocracia. Mal eles sabiam que o tal nome, Espírito Santo, cairia em desgraça pouco tempo depois. Mal eles sabiam que essa queda babilónica levaria consigo as tais poupanças de uma vida. Mal eles sabiam que o apelido esfíngico de outrora nem para uma churrascaria serviria, quanto mais para um banco. Mal eles sabiam que o responsável máximo pelo colapso nunca teria a gentileza de pelo menos pedir desculpa.

Uma multidão de pequenos investidores vive no desespero porque perdeu tudo o que tinha, mas Ricardo Salgado só está preocupado com a reputação do nome Espírito Santo

E não faltaram ocasiões para Ricardo Salgado Espírito Santo pedir desculpa. Só no parlamento, já teve pelo menos duas chances para pedir perdão às pessoas que foram de facto enganadas pelo BES. Mas esse pedido de desculpas não chegou, nem vai chegar. Ricardo Salgado Espírito Santo recusa pedir desculpa, porque semelhante ato abriria as portas a uma confissão de – pelo menos – incompetência. E o brilhantíssimo Ricardo Salgado Espírito Santo nunca admitiria fraqueza tão humana, tão poucochinha, tão possidónia.

Além de não admitir erros, além de recusar ajoelhar-se perante as pessoas que foram roubadas pelo seu Banco, Ricardo Salgado ainda tem tempo para sentir incómodo com a evolução semântica do BES. “Chamar banco mau ao Banco Espírito Santo é como dar-me facadas”, diz. Confesso que não encontro na língua portuguesa adjetivos (publicáveis) com capacidade para descrever este grau de amoralidade: uma multidão de pequenos investidores vive no desespero porque perdeu tudo o que tinha, mas Ricardo Salgado só está preocupado com a reputação do nome Espírito Santo. Num ato de misericórdia, julgo que devíamos ajudar o Dr. Ricardo Salgado Espírito Santo a perceber uma coisa: com ou sem ringfencing, o nome Espírito Santo já é junk bond.

Por: Henrique Raposo

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