A moda de considerar e classificar como psiquiatrizável tudo o que se faz, tudo o que se não faz, tudo o que se faz mal feito, o que se deixa feito pela metade, ou que se faz, mas de um modo pouco conforme ao socialmente estipulado, começa a deixar o território da tragédia para, gradualmente entrar nos domínios da farsa.
Veja-se, como exemplo, no hipermercado, porque a mãe ou o pai não querem comprar uma caderneta de Yugihos, uma Barbie mergulhadora ou um Ken agente secreto, a criancinha, no exercício dos seus direitos de cidadania, faz uma birra de deitar o estabelecimento ao chão. Para comprar o silêncio do infante, os pais lá acabam por aceder e comprar o objecto causador do distúrbio. E no dia seguinte está uma família ansiosa na sala de espera do pedopsiquiatra ou do psicólogo para diagnosticar a “hiperactividade” do rebento problemático.
Ou a criancinha, num momento de maior concentração, conseguiu colorir um desenho sem passar para fora do risco. Ah, esta criança é, sem sombra de dúvida, sobredotada. Um Picasso, um Leonardo em embrião. É preciso avançar para os testes psicotécnicos, para a consulta de psicologia e orientação escolar, pois estamos perante um talento que não pode ser desperdiçado.
No ponto de vista dos pedopsiquiatras e psicólogos, estamos numa era de ouro. É só facturar.
Para muitos pais, apesar do esforço financeiro que é preciso fazer, a par dos aparelhos para corrigir os dentes, das aulas de piano e violino, do curso de computadores, do karaté, do inglês e dos jogos para a playstation, apesar disso tudo, é uma despesa que se alomba com uma alegre resignação, pois a criança “tem problemas” e precisa de ser “acompanhada por um especialista”. Demitindo-se da sua clássica função de educadores (chamava-se “educação” antigamente), equilibrando mimo com palmadas, estudo com brincadeira, sins com nãos, castigos com recompensas, os pais endossam para os domínios do patológico aquilo que nada tem de patológico. Se não frustrarmos os putos, se cedermos a tudo o que querem, se nunca forem contrariados, chegarão um dia a adultos, incapazes de fazer frente ao mínimo obstáculo. E aí continuarão nas mãos da psiquiatria, a enfardar xanaxes, valiums e prozaques. Oscilando entre depressões e cenas histéricas, estamos a contribuir para a criação de uma geração totalmente disfuncional. O que abre óptimas perspectivas de mercado para a terapia familiar.
Soluções? Ah, eu não! Só me limito a comentar aquilo a que vou assistindo à minha volta. E desde que soube que há pais que vão ao psicólogo perguntar se podem dar um telemóvel ao infante, ou com que idade é que o miúdo poderá ir à discoteca… a solução que adoptei para minha casa vem da sabedoria ancestral: bom senso e alguma auto-confiança. Afinal de contas, os pais da minha geração criaram-nos sem nada destas mariquices e o resultado, não sendo brilhante, também não é de deitar fora.
Se resulta? Daqui a uns dez anos poderei, talvez, dar uma resposta. Agora ainda é cedo para ver os resultados.
Por: Jorge Bacelar