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Protetorado: round 2

Theatrum Mundi

O ministro Paulo Portas inaugurou um relógio para marcar o adeus à troika e o que entende ser a data da recuperação da soberania, em 17 de maio próximo. Dizem que o relógio atrasou e a ironia está em que, ao atrasar, a máquina parece ter querido dizer ao ministro Paulo Portas que o tempo não é um instrumento das suas ambições e manobras políticas irrevogáveis. Mas certo ou atrasado, esse relógio continua a marcar um tempo. Não é o tempo da recuperação da soberania, porque essa já é a maior miragem do nosso tempo, mas o do próximo enfrentamento político e sobretudo o próximo round do ajuste de contas entre os principais atores políticos.

À margem do tempo dos que são governados por eles, e à custa desse tempo, a crise já se transformou num campo de batalha entre os principais atores e decisores políticos. O relógio de Portas lá está para assinalar o round final desse combate, o dramático ajuste de contas sobre quem causou a crise, quem gastou mais e desbaratou os recursos do Estado, quem provocou o resgate da troika e o tornou inevitável, quem e porquê optou por uma repartição injusta dos sacrifícios, quem e porquê se nega a lutar a fundo contra a corrupção instalada. O ajuste de contas é entre grupos organizados, máquinas profissionalizadas na captura do poder (os partidos políticos, entenda-se), mas também é entre homens e mulheres, os seus egos, as suas ambições e mesquinhezes.

A crise determinou visões políticas muito desencontradas sobre o que deve ser o futuro do país e da cidadania, e não é de estranhar que a direita e a esquerda tenham dificuldade em chegar a consensos ou até simplesmente em sentar-se à mesa das negociações e definir uma agenda comum. Mas o que a crise também trouxe, ou aprofundou, foi a crispação do ambiente político motivada por questões pessoais. Hoje o relógio de Portas é um lembrete de que está na hora de resolver, de uma vez por todas, quem são os vencedores e os vencidos desta guerra. Em grande medida, a vida política portuguesa transformou-se nesta incessante busca pela suprema vindicação e aniquilamento do adversário. E por isso o ato de Portas foi visto como ato de guerra (o fogo amigo também mata, como diria Nuno Melo). Ironicamente, o relógio de Portas também é o tiro de partida para o assalto aos cargos internacionais em fim de ciclo político. Faz parte da vindicação e sobretudo da recompensa pelos bons serviços prestados aos dúbios e mais diversos interesses. Não há serviço mais fiel ao protetorado do que esta corrida aos altos cargos em ambiente de fim de festa.

Quando as eleições europeias tiverem lugar, a 24 de maio, já se terá discutido até à náusea quem traiu o país, quem o salvou, quem o poupou do pior, quem foram os heróis e quem foram os vilões, quem se aproveitou da miséria de muitos e quem ficou impune. Muitos terão desfilado já, em romaria, pela capelinha de Eusébio no estádio da Luz, indiferentes à vozearia, aos argumentos e sobretudo à Europa. Mais uma vez não se terá discutido com seriedade ou consequência a (falta de) política europeia, nem a criminosa cumplicidade com a desertificação do interior, por parte dos sucessivos governos que sempre prometem um país mais equilibrado e o deixam sempre mais injusto.

Por: Marcos Farias Ferreira

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