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Pós amigos

Observatório de Ornitorrincos

Na década de 1980, os GNR cantavam uma canção intitulada “Pós Modernos” com uma assertiva ausência de hífen. GNR, neste caso, era o Grupo Novo Rock, não a Guarda Nacional Republicana, que nesse tempo ainda procurava uma nova partitura. Além desses pós modernos, que “agarram na angústia e fazem dela uma outra indústria”, quem cresceu na década de 1980, em altura, ombros ou franjas, também estava familiarizado com pós antigos, como o de talco ou o de arroz.

Mas ao contrário dos pós antigos e dos pós modernos, ninguém entende bem os pós contemporâneos. Hoje tornou-se comum falar de pós verdade, como se os factos fossem pequenos grãos de pó que se juntam à discrição numa linha pronta a cheirar e que proporcionam energia ao seu utilizador. No mundo de pós verdade, os fumos proporcionam viagens por realidades alternativas onde tudo aparenta ser o contrário do que realmente é. As trips de heroína são do tempo do primeiro Trainspotting. Hoje, como hobby, está mais em voga o Trumspotting, em que o observador tenta encontrar nos delírios psicadélicos da administração americana alguma relação com a realidade, ou uma versão doméstica, o caça-centiras, que consiste em observar o Ministro das Finanças enredado nas suas verdades.

A dificuldade de compreender estes pós verdade é que não é preciso vê-los, basta acreditar que existem. Como quem limpa a casa todos os sábados mesmo que tenha a mobília tapada com lençóis e naperons. Mas se há coisas que a história tem ensinado é que o Egipto acabou com os gregos e que é preciso deixar assentar a poeira.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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