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Portugal tem o valor de um carro para abate

«Continuamos um povo sereno, incapaz de dar um grito, incapaz de um gesto de revolta. Continuamos a ser um país de Fátima, Fado e… (sobretudo) Futebol. Um país de poetas amordaçados. Agora, não pela força do regime, mas pela força do medo interior. Estamos um povo cobarde à espera de um ditador que nos salve».

Os portugueses estão pessimistas, dizem as estatísticas europeias. Apenas 15% dos inquiridos acredita que a sua vida vai melhorar no próximo ano. Os restantes, quase todos, já não temem apenas pela sua qualidade de vida, mas sim pela manutenção dos seus empregos e capacidade para manter seus compromissos.

A cada dia que passa, a comunicação social fala de empresas que vão fechar. Mas basta-nos andar pelas ruas para ver comércios que encerraram portas e os rostos cabisbaixos das pessoas que passam por nós. Não precisamos que as sondagens da União Europeia nos digam o que já sabemos: a economia está parada.

As empresas estão afogadas em impostos e concorrência desleal. A generalidade das famílias, assaltadas pela precariedade económica, não consegue fazer face aos seus encargos e muito menos fazer poupanças. Pela primeira vez na história, as novas gerações estão mais fragilizadas que as dos seus pais, sem os quais não sobreviveriam. E nesta crise surge o capitalismo selvagem, em que alguns bancos insultam as famílias mais débeis, os empresários exploram os trabalhadores mais necessitados e a soberba leva a grandes negociatas à custa de quem está com a corda na garganta ou dos dinheiros públicos malbaratados.

Neste cenário é impossível ser feliz. Lembro-me de uma tira cómica da “Mafalda” que dizia: “O dinheiro não compra a felicidade. Mas se a felicidade não existe, o dinheiro compra a melhor imitação”. Os portugueses não são felizes nem têm dinheiro para afogar as mágoas, que é o pior dos fados.

E o que vale país que não acredita no futuro?

O que nos deprime não é a situação em que vivemos. Esta até podia ser transitória. O que nos deprime é sobretudo a sensação de que não há soluções à vista. E o que vale um país que não acredita no futuro? Um país que tem medo do amanhã? Neste momento, Portugal tem o valor de um carro para abate. Apesar de bonito e rico de história, os seus sucessivos condutores rebentaram-lhe com o motor. Já não anda, e os dinheiros europeus empurram cada vez menos. Já não precisa de um condutor para ter futuro, mas de um mecânico que proceda a profundas mudanças.

Mas curiosamente, continuamos um povo sereno, incapaz de dar um grito, incapaz de um gesto de revolta. Continuamos a ser um país de Fátima, Fado e… (sobretudo) Futebol. Um país de poetas amordaçados. Agora, não pela força do regime, mas pela força do medo interior. Estamos um povo cobarde à espera de um ditador que nos salve.

Desculpem se não tenho nada de positivo para vos encorajar. Acontece que eu também estou na larga percentagem dos deprimidos. Por isso, deixo apenas um grito, para ver se tem eco neste país do medo.

Por: João Morgado

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