“Her” (2013) – ou “Ela”, de Spike Jonze, é uma alegoria dos nossos dias mas, sobretudo, dos que estão para vir. A tendência de maquinar os aspetos mais variados do dia a dia ou de nos fecharmos em mundos “desumanizantes” é magistralmente reinventada na tela por Jonze, que amealhou várias nomeações para os Óscares deste ano, conquistando a estatueta de melhor argumento.
Mais uma vez no seu estilo muito peculiar, o cineasta aliou o brilhantismo de Joaquin Phoenix a uma história e fotografia encantadoras, pelo que o resultado só podia ser um “must-see”. Theodore (Joaquin Phoenix) facilita a comunicação entre os outros escrevendo cartas e criando enredos, mas está divorciado e sozinho devido à incapacidade de comunicar de forma igualmente competente.
A ideia base é inquietante: e se pudessem “construir” uma pessoa? O que gostam, o que procuram, o que precisam e, subitamente, qual golpe de magia cinematográfico, está ali, algures na “caixinha mágica” à nossa frente. Este sistema operativo artificial ganha “vida” na voz de Scarlett Johansson que, qual cereja no topo do bolo, tem uma personalidade que resulta das necessidades e escolhas de Theodore. À primeira vista, quase podemos dizer que a perfeição existe.
A vertente sociológica de “Her” é uma marca preponderante no ritmo e nos caminhos que o filme vai cruzando, arriscando uma incursão naquela que pode ser, talvez mais cedo do que pensamos, a nossa realidade futura. O famoso “teclar” pode ser substituído pela voz e pela interatividade, numa conversa homem-máquina que desafia os princípios do relacionamento humano e estimula uma certa inatividade social. Poderá uma máquina fazer-nos sentir? Poderá também ela sentir? Até que ponto pode ser “real” para nós? Esse futuro em “Her” é agora.
P. S. – A morte de Robin Williams, um dos grandes, parou o mundo. A perda, normalmente tão familiar, resultou num acontecimento coletivo de dor e de agradecimento. Mrs. Doubtfire foi amiga de muitas crianças, John Keating o motor da inspiração, Sean Maguire a voz de uma razão arrebatadora… Mas, no fundo, sempre esteve Robin Williams, o ator que nos fazia rir, o amigo que entrava nas nossas casas. “Good Morning, Vietnam” (1987), “Good Will Hunting” (1997) e “Insomnia” (2002) são as minhas sugestões para as próximas sessões de cinema.
Sara Quelhas*
Com @Última Sessão (fb.com/ultimasessao.cinema)
*Mestranda em Estudos Fílmicos e da Imagem (Mestrado em Estudos Artísticos) na Universidade de Coimbra