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Polémica dos projectos de Sócrates arrasta técnicos superiores da Câmara da Guarda

Joaquim Valente rejeita alegado «esquema» e considera que, «aparentemente», as casas em causa cumpriram os regulamentos

Os serviços técnicos da Câmara da Guarda não saíram bem vistos da polémica dos projectos de engenharia assinados pelo actual primeiro-ministro, na década de 1980, cuja autoria os donos das obras garantem não ser dele. Casas construídas em leito de cheias, em área de Reserva Agrícola Nacional (RAN) ou que não respeitam a volumetria e a cércea dos edifícios vizinhos são algumas das irregularidades apontadas. Contudo, apesar dos reparos e observações críticas dos arquitectos da autarquia e até dos pareceres contrários da administração central, todas elas foram aprovadas e construídas.

Dizendo desconhecer eventuais ilegalidades, Joaquim Valente garante que, «na altura, era quase tudo permitido» porque não havia ainda documentos de planeamento em vigor. «O PDM foi aprovado em 1994 e até lá construiu-se em zonas que vieram depois a ser classificadas como Reserva Ecológica Nacional e Reserva Agrícola Nacional. Mas se essas cartas já existissem, essas construções não se fariam. No entanto, só há indício de má aprovação se, após

a elaboração do PDM, fossem construídas na REN e na RAN», justificou a O INTERIOR. O actual presidente lembrou também que nesse tempo «não era a Câmara que licenciava», mas sim a Direcção dos Serviços de Urbanização, cujo parecer era vinculativo em matérias para as quais o município não tinha competências. «As casas em questão foram aprovadas e têm licença de habitabilidade, portanto, aparentemente, cumpriram os regulamentos», acrescentou.

Quanto ao teor da notícia do “Público” da última sexta-feira, Joaquim Valente rejeitou o alegado «esquema» divulgado pelo diário, em que alguns técnicos camarários se escondiam atrás do nome de José Sócrates para obter o licenciamento de projectos feitos por eles. «Os projectos têm a responsabilidade técnica de quem os executa, e o engenheiro José Sócrates assume as suas, sempre as assumiu e continua a assumi-las», afirmou. Mas não excluiu que fosse prática comum alguns engenheiros assinarem por outros. No seu caso, até admite que o actual primeiro-ministro o tenha feito numa altura em que Joaquim Valente ainda não estava habilitado: «Terminei o curso depois de José Sócrates e não excluo que me tivesse socorrido dele nessas circunstâncias, mas já não me lembro, são factos de há 27 anos. Tenho a ideia de ter feito alguns projectos quando andava a estudar, para ganhar algum dinheiro, mas sobretudo para fazer face às necessidades das pessoas e de outros técnicos de Coimbra», disse o presidente.

Colegas de curso

O “Público” adianta que, nalguns casos, os documentos eram manuscritos com a letra de Fernando Caldeira, um colega de curso do actual primeiro-ministro que era funcionário daquela autarquia e que, por isso, não podia assumir a autoria de projectos na área do concelho. O diário cita ainda, sob anonimato, alguns engenheiros e arquitectos da Guarda, segundo os quais «havia aí um grupo de técnicos da Câmara que açambarcava uma boa parte dos projectos de casas dos emigrantes. Como não podiam assinar, punham o Sócrates a fazê-lo, porque ele era da Covilhã e não tinha esse problema». Segundo esta versão, o grupo era composto por Fernando Caldeira, António Patrício (ambos directores de departamento actualmente) e Joaquim Valente, todos engenheiros técnicos e antigos colegas de José Sócrates no Instituto Superior de Engenharia de Coimbra.

O primeiro-ministro, então engenheiro técnico ao serviço da vizinha Câmara da Covilhã, diz que assume «a autoria e a responsabilidade de todos os projectos» que assinou e que a sua actividade profissional privada se desenvolveu «sempre nos termos da lei». Embora se trate de uma prática sem relevância criminal, as chamadas «assinaturas de favor» em projectos de engenharia e arquitectura constituem uma «fraude à lei», no entendimento do penalista Manuel Costa Andrade, e são unanimemente condenadas pelas organizações profissionais dos engenheiros técnicos e dos engenheiros.

Luis Martins

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