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Pois, Pois

AINDA HÁ PASTORES? Jorge Pelicano é um jovem de 29 anos que trabalha neste momento como repórter da SIC em Coimbra. Há uns anos arriscou. Deixou um emprego estável no Recheio e foi trabalhar para a SIC, perseguindo a sua vocação: filmar. Entre 2001 e 2005, acompanhou a vida de alguns pastores da Serra da Estrela. O resultado é um excelente documentário. A crítica parece unânime e adivinham-se prémios – aliás já recebeu alguns, nomeadamente na 12.ª edição do Cine’Eco, Festival de Cinema e Vídeo de Ambiente de Seia. Por exemplo, Eduardo Cintra Torres, crítico televisivo do jornal Público, diz tratar-se de um dos melhores documentários de 2006. As televisões nacionais, em especial a SIC e a RTP1, têm-lhe dado a merecida atenção e tem sido muito bem recebido pelo público nas várias salas do país onde foi exibido. Na Guarda, a Escola Superior de Educação – onde o Jorge Pelicano se licenciou em Comunicação e Relações Públicas – e o TMG já o exibiram.

A fotografia é fabulosa, os planos da Serra da Estrela são belíssimos, o locutor da TSF Fernando Alves dá voz a textos inteligentes e bem escritos. Na sua primeira realização, Jorge Pelicano revela uma enorme sensibilidade na forma como filma os protagonistas, os pastores que ainda resistem numa actividade condenada a desaparecer. O isolamento, a solidão, a pobreza, a dureza do trabalho, a simplicidade das pessoas, a velha de 82 anos que continua a correr atrás das cabras, a criança arrancada à escola pelo pai, os pastores mais velhos obrigados a abandonar a Serra e a instalar-se definitivamente em Casais de Folgosinho. E, claro, o Hermínio, que acaba por se tornar a figura principal devido à sua espontaneidade e genuinidade. Com 27 anos, sente os apelos da cidade e hesita. Valerá a pena continuar? É esta a sua dúvida e a que o filme implicitamente deixa no ar.

Aqui, no Portugal profundo, pelo qual poucos se interessam, o Jorge Pelicano deu-nos a conhecer os últimos sobreviventes de um mundo rural que, em bom rigor, já morreu. E fê-lo sem cair, como é habitual nestas coisas, numa visão idílica e romântica herdada do salazarismo e que muitas boas almas continuam a partilhar. Infelizmente, continua a haver muita gente que não sabe nem nunca compreendeu o que significa de facto viver neste mundo e que olha para as pessoas que ainda o habitam como quem olha para peças museológicas e que, por isso, até acham que “era giro” preservá-las ali, isoladas do mundo, como se fossem uma espécie de museu vivo.

Este mundo morreu porque já ninguém, muito compreensivelmente, quer vivê-lo. E o Jorge Pelicano filmou com talento o seu estertor.

SETE ANOS DEPOIS. Parece que foi ontem. Vejo o Luís Baptista-Martins todo entusiasmado com o seu novo projecto, O Interior. Muitos achavam na altura que não duraria muito. Já havia muitos jornais para uma região tão pobre e com tão fracos índices de leitura. Mas o entusiasmo do Luís era contagiante e contagiou também o José Luís de Almeida que aceitou entrar nesta aventura com uma parte do capital, quando lhe seria muito mais rentável investir o dinheiro noutro negócio qualquer. Ficou provado, mais uma vez, que os empresários não são apenas máquinas de calcular que só pensam em lucros e cifrões. Muitos, para nossa felicidade, têm bem presente a noção de bem público e de comunidade. Porque o Interior, que obviamente é antes de mais um negócio privado e que é gerido com rigor, presta um serviço público. É um jornal moderno e foi (peço desculpa pelo lugar comum) uma lufada de ar fresco no panorama regional, onde se vive muitas vezes num ambiente sufocante e de medo, típico de uma sociedade demasiado dependente do Estado e da autarquia.

O imperativo das pessoas que escrevem no Interior sempre foi a independência. A do espírito, a mais importante. A de expressão, que só se alcança com independência política, profissional e financeira. Provavelmente, estamos ainda longe de as ter todas. Mas esse é o nosso objectivo, a nossa busca, se quiserem. Eu, pelo menos, confesso, estou ainda longe de escrever todos os artigos que gostaria.

Uma obsessão de liberdade é o traço distintivo do Interior. Deve ser por isso que há cada vez mais pessoas a comprá-lo e, mais importante, a lê-lo.

Por: José Carlos Alexandre

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