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Pois, Pois

DOCE ENGANO. Este malvado ano de 2005 lá se arrastou melancolicamente até ao fim. Livrámo-nos de Santana, passamos a gramar o Sócrates. A crise continua. A divergência em relação à Europa acentua-se pelo quinto ano consecutivo. O desemprego não pára de subir. Os salários reais não param de descer. O endividamento cresce – somos o sétimo país mais endividado do mundo. Mas os políticos, esses optimistas profissionais, garantem-nos que a felicidade está atrás da porta. Para 2006 ou 2008. Por aí.

Pelo menos, Cavaco Silva acha que sim e se ele acha que sim, bem, então podemos “dormir descansados”. A menos que o homem tenha mudado nestes últimos 10 anos e tenha passado a ter dúvidas e, Deus queira que não, também já se engane. Com Cavaco a Presidente, Portugal já pode seguir em frente. Espera-nos um futuro radioso. Só temos de dar as mãos e seguir acriticamente os passos do grande timoneiro que nos fará ver novamente a luz.

O Presidente não governa? O Presidente não legisla? Que importam essas minudências? Há muito que esta ditosa pátria se habituou a viver em doces enganos, que depois, infelizmente, se tornam muitas vezes amargos.

AMARGO DESENGANO. Os comerciantes locais queixam-se. O negócio está mal. Parece que nunca esteve pior. Razões apontadas? A crise, as obras do Polis e os recentes centros comerciais de Viseu e da Covilhã. Soluções apontadas? Jorge Godinho, presidente da Associação Comercial, apela ao nosso coração e pede encarecidamente aos guardenses que gastem o dinheirinho cá no burgo – pelo menos, nas compras principais. Se não, garante, a Guarda fica mais pobre. Suspeito que ninguém se vai comover com este tipo de apelos, muito menos quando o dinheiro vai escasseando nas carteiras. Talvez percebendo isso, Godinho é favorável à criação de um centro comercial na Guarda – curiosamente, há um ano era contra. Ao menos, diz o senhor presidente, assim sempre cá ficava o dinheiro e “haveria sempre a possibilidade dos comerciantes locais se poderem instalar no espaço”. (Terras da Beira, 15/12/2005) Percebe-se mesmo um tom fatalista nas suas palavras: “É difícil convencer as pessoas a fazer compras no comércio tradicional porque os Shoppings estão trabalhados para abrir o apetite consumista.”

É provável que Jorge Godinho tenha razão em tudo o que diz. Mas esqueceu-se de dois pormenores. Primeiro, a maior ameaça ao comércio tradicional da Guarda não são os Shoppings das outras cidades, mas sim as lojas dos chineses. Estas continuam a facturar bem, com ou sem Shoppings, porque apostam numa política de preços imbatíveis. Ora, especialmente em épocas de crise, é para lá que as pessoas se dirigem e é lá que deixam o seu dinheiro. Segundo, e disto pouco se fala também, o comércio tradicional, salvo honrosas excepções, não se soube ou não se quis modernizar. Não adaptou os horários aos tempos modernos e, a maior parte das vezes, nem sequer soube aproveitar os programas comunitários destinados à sua modernização. Agora, claro, e como é típico dos portugueses, só se lembram de pôr a culpa nos Outros.

A culpa é sempre do “Outro”, não é senhor Jorge Godinho?

Por: José Carlos Alexandre

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