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Pleasantville: a redescoberta da cor

Opinião – Ovo de Colombo

“Viagem ao Passado” (Pleasantville, 1998) é um regresso ao cinema a preto e branco, que, munido das tecnologias ao seu dispor no tempo presente, se reinventa através da capacidade de mostrar e explorar a cor na tela. A ação coloca-nos na década de 90, onde o drama familiar atual é acompanhado pela emergência de uma maratona de episódios de “Pleasantville”, uma sitcom dos anos 50.

Esta “cidade agradável” não conhece problemas ou dificuldades no seu quotidiano, já que não questiona nem ultrapassa a rotina interiorizada pelos personagens e pelo seu público. David (Tobey Maguire) é um dos fãs deste enredo, tendo decorado e acolhido na sua vida todas as aventuras e desventuras vividas na cidade onde tudo acaba sempre bem, ainda que a sua juventude “denuncie” as décadas que o afastam do programa. Já a irmã (Reese Witherspoon) está mais interessada em aproveitar a vida, sem se preocupar com responsabilidades. Filhos de pais divorciados (e perdidos nas diferenças entre estes), ambos procuram, de uma forma muito própria, conforto para lá das paredes da casa e da escola.

É numa discussão inevitável que os dois, na disputa do comando, dão por si na presença de um eletricista inusitado e, num acontecimento que desafia todas as possibilidades, são transportados para dentro da televisão. A dupla ocupa então os lugares de Bud e Mary Sue, sem estranheza por parte dos personagens de “Pleasantville”. Também a preto e branco e presos numa história que David bem conhece, os irmãos prometem desafiar a monotonia da pacata “cidade agradável”.

A ignorância e aceitação de um mundo que não muda “acinzenta” as mentes e o quotidiano dos moradores que, embrenhados numa rotina que não sofre alterações, têm reações distintas e bastante peculiares quando confrontados com a mudança. A cor afigura-se como a exibição da consciência, que assume várias formas e tendências, e promete desconfigurar irremediavelmente os atos programados e as vivências das personagens. “Viagem ao Passado” é um louvor aos clássicos que marcaram o cinema americano, mas também um regresso aos programas que acompanharam e cresceram com famílias e gerações – com certos “limites” comportamentais e temáticos. É também um olhar do presente sobre si próprio, capaz de se encontrar e redescobrir nas vivências não muito coloridas de uma sociedade que se conforma com o que recebe. Uma ode à mudança e à evolução das mentalidades.

Sara Quelhas*

*Mestranda em Estudos Fílmicos e da Imagem (Estudos Artísticos) na Universidade de Coimbra

Próxima semana: Cristina Caramujo

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