Do outro lado do Sena fica a catedral de Notre-Dame de Paris, mas não é esta que nos interessa. Estamos na Place de l’Hotel de Ville, que se chamava antigamente Place de Grève. A palavra definia, arcaicamente, um terreno plano, composto de gravilha ou areia, junto ao mar ou a um curso de água. Era nessa espécie de praia que os barqueiros do Sena descarregavam mercadorias e foi por isso natural que nesse sítio se instalasse um mercado. Como era fácil encontrar aí trabalho, era na Place de Grève que se reuniam os desempregados a oferecer os seus serviços. Mais tarde, nos finais do século XIX, a palavra “grève” acaba por evoluir para o sentido que hoje se lhe dá: a recusa de trabalhar em ambiente de conflito laboral. Se pensarmos bem, se a praça mudou de nome porque não haveria a palavra de mudar de significado?
O direito à greve tinha como justificação ser, na prática, o último argumento dos trabalhadores para obterem melhorias contratuais. A lei civil presumia a igualdade entre as partes na celebração dos contratos, mas no caso dos contratos de trabalho essa presunção não tinha, manifestamente, fundamento. Num tempo em que não existia salário mínimo, nem limite de horas diárias de trabalho, nem férias ou outros descansos que não os impostos pela religião, vingava a lei do mais forte: se o trabalhador queria emprego, tinha de se sujeitar às condições propostas e, se queria ter força para exigir mais precisava dos outros, seus companheiros nas mesmas condições, e tinha a greve como última e única arma. Isto, atenção, em relação ao grosso dos operários, dos indiferenciados, que os que tivessem conhecimentos especializados, ou competências difíceis de obter, beneficiavam, tal como os patrões dos outros, das leis do mercado e podiam exigir os salários que os mecanismos da oferta e da procura lhes permitiam.
Os juristas sempre tiveram dificuldades em construir uma teoria integrada e coerente do direito à greve, sobretudo depois de a generalidade dos países evoluídos ter integrado nas suas legislações direitos básicos de protecção aos trabalhadores. Afinal, a greve é basicamente um incumprimento contratual e muitas das reivindicações, se justas, têm tutela na lei e nos tribunais. Porquê então fazer greve? Para obter algo que a lei ou os tribunais não podem dar e, por isso, dizem alguns, boa parte das greves são injustas. Não exageremos: a lei estabelece apenas salários mínimos e é legítimo exigir mais do que o mínimo; muitos patrões não cumprem a lei e os tribunais são lentos…
Seja como for, qualquer greve tem como fundamento uma razão, em sentido próprio, um caso em que o patrão se recusa a cumprir a lei ou em que se procuram vantagens a lei não tutela, mesmo que justas. Muitas são um abuso, uma chantagem sobre o patrão, uma tentativa de coacção onde, sob a ameaça de um mal maior, se procura forçar algo que a justiça não daria. Por exemplo, a greve dos pilotos da TAP.
Por: António Ferreira