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pequeníssimas coisas

São pequenas, e pequeníssimas, as coisas que abrem um fosso enorme entre gerações. Tudo é igual dentro da caixinha crâniana do Homo Sapiens (mais Sapiens menos Sapiens…) há séculos. O que vai mudando é só a paisagem à volta. Espero evitar sempre, ao longo dos anos, a tonta expressão «no meu tempo…». Enquanto por cá andamos a ver o que se passa no planeta este será sempre «o nosso tempo». Mas já há pequenas, pequeníssimas, coisas que o meu filho vai ter dificuldade em perceber como eu percebi.

OS CINCO

Li-os todos (comecei pelo nº5, ‘Os Cinco e o Circo’, com capa castanha). Mas acho que se me tivesse aparecido à frente um volume de 750 páginas com mais uma história do Júlio, o David, a Ana, a Zé e o Tim teria tido o bom senso de nem sequer começar – só as feitiçarias do marketing explicam que os miúdos, os mesmos que supostamente lêem cada vez menos, devorem hoje um incunábulo como o último Harry Potter. Os Cinco não tinham publicidade nem precisavam. Tirando as trivialidades de cada aventura (as grutas, os homens maus, as corajosas estratégias…) o que mais me entusiasmava em todos os livros era:

1. O facto de Júlio, sendo um miúdo, poder levar o carro do pai.

2. As descrições pormenorizadas, que nunca falhavam, dos opíparos lanches e pic-nics, no princípio, no meio e no fim das aventuras.

ZX SPECTRUM

Lindo. Preto, teclas cinzentas, risquinhas coloridas no canto inferior esquerdo. A primeira vez que o vi pareceu-me uma excêntrica máquina vinda directamente do futuro para me animar os dias. O argumento principal para convencer os pais a comprar um passava por «começar a perceber alguma coisa de computadores», mas o grande objectivo era ficar horas a jogar ao Match Point, Knightlore, Pole Position, Scuba Dive, Pssssst! e tantos outros jogos fantásticos. O leitor de cassetes Computone era o inseparável companheiro do ZX Spectrum. Load aspas aspas enter. Aprendemos imenso com os saudosos 48K.

RENAULT 5

Já não há. O meu pai teve dois (um de cada vez, claro). O primeiro, que substituiu um Mini, pareceu-me um carro enorme e luxuoso, com o seu tecto de losangos almofadados. Acompanhei sempre a evolução do modelo de perto, e lembro-me perfeitamente do primeiro Super 5 que vi, vermelho metalizado, matrícula francesa (a Guarda, no Verão, era óptima para ver os novíssimos modelos, trazidos pelos emigrantes). Muita gente conhecida tinha um Renault 5. Era um carro simpático e especial. Conseguia (não sei se ainda consigo) distinguir o trabalhar do seu motor à distância.

TELEVISÃO A PRETO E BRANCO

A minha geração viveu, por norma, esse momento mágico em que uma televisão novinha entrou porta dentro e deu cor aos desenhos animados e aos jogos sem fronteiras. De repente, o preto e branco de todos os dias, parecia obsoleto. Lembro-me perfeitamente que a primeira imagem sintonizada, a cores, em minha casa foi do Gulliver em desenhos animados. O momento foi de êxtase – como se, até aí, faltasse cor a toda a realidade à nossa volta.

PIRATAS

A verdadeira pastilha elástica. Cor de rosa, grande e sempre com curiosas informações no interior, em papelinhos que desdobrávamos ansiosamente. Depois, vieram as Gorilas e as Super Gorilas.

CROMOS

A Gaiola de Noé, A Natureza, O Corpo Humano…Os repetidos, as trocas na escola, o agradável cheiro a cola, o suspense ao abrir uma carteirinha nova. A sensação de ordem no caos ao completar uma caderneta.

FESTIVAL DA CANÇÃO

Parece estranho mas é mesmo verdade. No dia seguinte ao Festival da Canção (primeiro o português, depois o auge da Eurovisão) esse era o tema das conversas na escola. Sempre era melhor do que comentar as tricas do BB no intervalo e o seu regulamento nas aulas de português…

CASSETES

Objecto inseparável da nossa adolescência – que me parece que seria, aliás, impossível sem cassetes. A primeira aventura foi a gravação, no supra-citado Computone, de um disco dos Beatles (sim, já tinham acabado, não sou assim tão velho) e outro dos Abba. Hoje, as infelizes, jazem por aí com pouco (ou nenhum) uso. Já nem servem para ouvir no carro… Mas olho para elas, com as caixas rabiscadas à mão, e reconheço-as imediatamente. Como, aliás, acontece com os meus carrinhos de brincar. Mas esses acho que o meu filho vai perceber muito bem, como eu percebi.

Por: Pedro Dias de Almeida

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