No Sábado passado, a socióloga Maria Filomena Mónica escreveu na Única – também conhecida como “a revista do Expresso” (a Única, não Maria Filomena Mónica) – um texto sobre o macho latino. A autora mostra como um tribunal português deliberou sobre um caso de violação julgado em 1989, considerando os juízes que as queixosas estariam “a pedi-las”. Maria Filomena Mónica explica o significado da expressão para os leitores que não tivessem entendido. Segundo a investigadora, os juízes acharam simplesmente que as duas turistas estariam “disponíveis para a foda”. (MÓNICA, Maria Filomena [2009], “O macho latino” in Revista Única, 3 de Outubro, pag. 26)
Sosseguem a balbúrdia. Esta contribuição conceptual é uma das mais originais da sociologia portuguesa. Finalmente podemos esquecer a sociologia anti-capitalista boaventuriana que nos assoberbava. Disseste o quê, Giddens? Transformação da intimidade? Toma lá que é para aprenderes. Supera lá isto, ó Alberoni. Anda cá falar das pequenas guerras de um casal, Jean-Claude Kauffmann. A linguagem sociológica deve ser clara e compreensível. Nem mais.
Desta iniciática data em diante, todas as publicações que fazem companhia ao Expresso dentro do saco de plástico podem usar e abusar dessa expressão.
Fosse eu publicitário e estaria já a redigir anúncios para sofás da Divani & Divani ou quartos de dormir do Ikea (para citar duas empresas com catálogos regulares encartados no Expresso) com um sofá ou uma cama e a frase acima citada. Simples. Directo. Eficaz. Sem sair do campo da publicidade, não vejo melhor para incentivar jovens a comprar telemóveis do que anunciar um novo aparelho que permite manter-nos em contacto permanente com todas as pessoas “disponíveis” para o acto acima descrito.
No suplemento de Emprego muitos dos anúncios deviam vir acompanhados de melhor explicação. Com os baixos salários oferecidos, as imensas horas exigidas e nenhuma perspectiva de carreira, era conveniente anunciar de imediato que há trabalho, sim senhor, mas é bom que estejam “disponíveis para aquilo”. Sendo que aqui “aquilo” é metafórico. Caramba, nem todos os locais de trabalho são o Congresso dos EUA.
O próprio caderno principal pode agora também usar a expressão em barda. Acerca das relações entre São Bento e Belém fico à espera que o próximo texto seja encabeçado pelo título “Sócrates e Cavaco: disponíveis para a foda”.
Só não descortino em que circunstâncias a expressão possa ser usada no suplemento sobre golf, uma actividade em que um “chiça, penico” é punido com três meses de suspensão. Mais aborrecida só a pesca desportiva, onde um praticante pode ser banido para sempre apenas por ter o ritmo cardíaco acima das 65 pulsações por minuto.
O próprio “O Interior”, que também acompanha o semanário lisboeta, está na calha para usar a expressão agora gentilmente introduzida no jornalismo português. O “Observatório de Ornitorrincos” não perderá com certeza a oportunidade, já que é uma coluna sempre atenta às novidades deste mundo e onde nunca se desperdiça a oportunidade de ser chocarreiro, ainda que a despropósito.
Por falar em despropósito, quem não estava muito disponível para a dita já falada era uma rapariga de 13 anos, precisamente na mesma noite (de 1977) e na mesma casa em que Roman Polanski se encontrava bastante disponível. O realizador encontra-se agora indisponível, uma vez que foi detido na Suíça por práticas sexuais com menores. A comunidade artística protesta e pede a libertação do autor. Supostamente, a indústria cinematográfica era conhecida como um albergue de comunistas. Hollywood mantém a sua coerência. Tanto protege quem come criancinhas ao pequeno-almoço como defende quem come criancinhas depois de jantar.
Por: Nuno Amaral Jerónimo