Entendo quem aprecie efemérides e comemorações e esteja pressurosamente atento a todas as obrigações que lhe traz o calendário. Sendo advogado, tenho uma relação mais conflituosa do que lúdica com a minha agenda. Acontece, mas é raro, alguém me enviar lembretes mais agradáveis do que a iminência de um julgamento em Gondomar, às nove da manhã de um feio dia de inverno. É por isso que respeito o entusiasmo daqueles que conseguem introduzir algo de novo na rotina do dia-a-dia, mesmo que artificialmente. Sim, e para que conste, entendo que as efemérides, comemorações, aniversários, dias disto e dias daquilo não são senão a maneira melhor que arranjámos de concentrar as nossas preocupações e interesses sobre uma coisa ou alguém num só dia, despachando o assunto por mais um ano após a concretização desse ritual calendarizado.
Recordo a propósito um filme dos anos 80, desgraçadamente traduzido para português como “Onde Pára a Polícia?” (“Naked Gun” no original). Numa cena, a personagem interpretada por Priscilla Presley, depois de ser recebida pelo protagonista (interpretado por Lesley Nielsen, recentemente falecido), agradece-lhe o cuidado de a receber tão prontamente, “sendo o dia da árvore e tudo”. Era uma comédia e a graça consistia precisamente em haver alguém que levava a sério esses dias especiais do calendário.
E assim chegamos ao Carnaval. As televisões fazem reportagens de todos os carnavais do país começando pelo da Madeira e pelo seu Rei Momo residente. Até aqui nada de novo: acontece todos os anos e já nos habituámos ao momento em que chega a factura e aos insultos com que costuma vir condimentada. A novidade, e é isso que me traz aqui, é a constatação de que o Carnaval foi apropriado por uma pesada horda de gordas. Aquele escalão etário, situado algures entre os vinte e os trinta, parece constituir o campo ideal de recrutamento de figurantes para os desfiles de Carnaval. Os requisitos são básicos, mínimos como a roupa: ter uma boa camada de gordura, a suficiente para suportar os rigores do inverno e exibir o pneu pela avenida sem se impressionar com o ar enregelado dos transeuntes.
Nada que entusiasme ou ofenda especialmente, apenas uma daquelas nossas características, ou subtilezas, que fazem com que nos pareça ser perfeitamente natural apreciar algumas gordas a desfilar pela avenida num frio dia de inverno como alternativa a um produtivo dia de trabalho.
Por: António Ferreira