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Para lá do óbvio

Editorial

1. «Este prémio é diferente de todos os outros que já recebi. Desde logo porque tem o nome da pessoa cultural e intelectualmente mais importante da minha vida: Fernando Pessoa» foram as palavras que um Eduardo Lourenço comovido e feliz disse ao “Expresso” ao saber que lhe tinha sido outorgado «o único prémio de que julgo ter algum merecimento»: o Prémio Pessoa 2011.

Eduardo Lourenço, ensaísta, filósofo e professor, nasceu na “longínqua” aldeia de S. Pedro de Rio Seco, Almeida, há 88 anos. Vive em França, mas se é certo que deixou o país em 1949, na verdade nunca partiu de Portugal, não apenas porque regressa regularmente, mas essencialmente porque o seu pensamento é sempre dominado pela portugalidade e a sua obra é um extraordinário contributo para a cultura portuguesa. Nomeadamente para o conhecimento de Fernando Pessoa, sobre quem escreveu ensaios e criticas várias. O 25º galardoado com o Prémio Pessoa ficou feliz e, com aquele humor caraterístico, anotou: «Alberto Caeiro vai ficar muito contente». Nós também.

2. Retirado em Paris, José Sócrates disse numa sessão com estudantes que os estados não devem estar preocupados com a dívida. Disse mesmo que esse tipo de preocupação «é coisa de crianças».

Efetivamente, e sem a devida contextualização, fica a sensação de que este raciocínio é inadmissível. Porém, Sócrates tem razão. Os governos têm de conviver com o endividamento e têm de ter, isso sim, o mérito de saber gerir a dívida, por forma a conseguirem que haja desenvolvimento e criação de riqueza. Sem endividamento dificilmente os países podem conseguir implementar projetos ambiciosos e que contribuam para o progresso das nações e a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. Salazar ainda hoje é a referência do governante que não deixou dívida… mas fê-lo à custa da pobreza e da miséria do povo.

Outra coisa é que os estados se devam estar a “marimbar” para a dívida como um dirigente socialista disse e muitos outros pensam – esse ato irrefletido do socialista de Aveiro é o reflexo da irresponsabilidade que grassa entre altos dirigentes políticos do país.

Outra coisa, muito diferente, é o descontrole da divida, que foi o que aconteceu em Portugal nos últimos anos (ao ponto de chegar aos 93,3% do PIB em 2010).

3. Passos Coelho até foi bem aceite com o seu discurso de rigor e de falar a “verdade”. Até mereceu o aplauso generalizado, e os votos, para dar a volta à situação catastrófica em que o país se encontra. E até recebeu elogios e a aprovação da maioria dos portugueses. Mas não pode continuar a clamar por austeridade e mais austeridade. Um líder não pode estar sempre a atacar o seu povo. Um líder não pode estar sempre a derrotar o seu povo. Um líder tem de ter soluções e alimentar o sonho de que o futuro existe. A política é uma arte que vai muito para além da gestão e da contabilidade. De que serve termos um governo que tem sucesso contabilístico se esse é conseguido graças ao constante aumento de impostos e ao corte no investimento público. Como disse Miguel Sousa Tavares, num excelente retrato da governação que escreveu no “Expresso”, «doentia é esta crença de que governar bem é empobrecer o país».

Luis Baptista-Martins

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