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Para acabar de vez com o Pai Natal

sinais do tempo

O Natal comemora o nascimento de Jesus. É originalmente uma festa cristã. Pretende-se uma época de paz, harmonia, boa vontade e amizade. As famílias juntam-se à mesa numa comemoração à abundância. Come-se o bacalhau, o peru ou o cabrito, as mesas enchem-se de doces e bebidas. Depois distribuem-se as prendas, demonstração de generosidade ou de sumptuosidade.

No nosso país, teria eu, cinco ou seis anos, era o Pai Natal, um adolescente de barba branca, fato vermelho, simpático e divertido como qualquer obeso que se preze. Após a ceia deitava-me, pouco dormia tal era a agitação e bem cedinho, procurava as prendas perto da chaminé. As explosões de alegria acordavam todos os que ainda descansavam. A minha geração apanhou a época de transição em que o menino Jesus deixou de pôr as prendas no sapatinho. Deu lugar ao Pai Natal, que rapidamente conquistou o monopólio na área da distribuição de prendas. Se por um lado a figura de barba branca fazia perdurar a magia, a substituição do menino Jesus levantava-me várias questões, nomeadamente a da entrada na chaminé. O “menino”, enquanto tal, passaria sempre, mas o gordinho de vermelho era impossível. Preocupava-me a situação, porque a hipótese de entrar pela porta colocava em perigo a minha segurança. Foi perante essas e outras dúvidas que a magia se esfumou. Mais tarde, com o nascimento das minhas filhas, recuperei-a.

O velhinho barbudo e gordo é muito mais comercial do que o menino Jesus. A este não se exigiam prendas de ostentação e sempre que o sapatinho estava menos recheado ou não correspondia às expectativas, a imagem de respeito, pobreza e desprendimento não nos deixava margem para reclamar, de forma envergonhada lá se deixava cair a expressão “o meu menino Jesus foi pobrezinho”. Pelo contrário o Pai Natal com a sua imagem de velho saudável, próspero e sem demência, obriga a maior sumptuosidade e em caso de falha será alvo das maiores recriminações. As renas voadoras e os duendes são trabalhadores alegres, que não fazem greve nem reivindicam mordomias, são autênticos escravos alegres que qualquer sociedade ambiciona.

A partir de Novembro e até ao Natal somos bombardeados com publicidade onde não faltam as referências ao gordinho barbudo e aos seus escravos.

Terminado mais um Natal, vêm os queixumes dos comerciantes e as contas do “Visa”, estragando a magia e demonstrando às crianças que ainda acreditavam, que afinal o Pai Natal não passa de uma mera figura de marketing. Continuo a preferir o menino Jesus com toda a mensagem de simplicidade e de humanismo.

Estou farto de velhos gordos com ar simpático e saudável, com ou sem barba, com a ideia fixa de que tudo sabem com o seu ar paternalista, que têm a pretensão de estar ao mesmo tempo em todo o lado e, pior, que têm a mania que são insubstituíveis.

Não quero mais o Pai Natal, que regresse o menino Jesus.

Por: João Santiago Correia

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