Começa a ser evidente que a pandemia de gripe tem como efeito secundário uma pandemia paralela de estupidez e irresponsabilidade. Sabe-se que morre em Portugal em média, por dia, mais de um feto e isto antes de se falar sequer em gripe. As causas são inúmeras, mas muitas vezes acontece simplesmente porque o feto, no momento de “dar a volta”, enrola o cordão umbilical no pescoço. Ou então havia uma qualquer malformação, ou foi simplesmente mais um caso de “morte súbita”, que é o mesmo que dizer que se não conhecem de todo as razões. Nada, mas nada, parece apontar como possível causa de morte a circunstância de a mãe ter sido vacinada recentemente contra a gripe A e a única ligação entre os dois eventos, a vacina e a morte, é o facto de uma preceder a outra. Estabelecer uma relação de causa-efeito entre esses dois eventos é outra coisa, bem mais difícil, até porque houve outros eventos entre a vacina e a morte, apenas menos suspeitos ou menos visíveis. Há aqui implícita uma falácia, nesse forçar da relação de causa-efeito, equivalente ao bater de palmas antes do eclipse solar dos livros de aventuras (“… e o herói consegue aterrar os nativos com os seus poderes mágicos e fugir a uma morte certa” – embora tenha depois de casar com a loira burra).
A verdade é que, se falta evidência científica sobra necessidade de vender papel e cada feto morto depois de a mãe ter sido vacinada é de imediato notícia – e em cada notícia jazem suspeitas paranóicas nas entrelinhas. Reparem que os fetos mortos de mães não vacinadas não são falados na comunicação social, como se pura e simplesmente, e contra tudo o que seria de esperar, tivesse deixado de haver casos. As notícias que a comunicação social insiste em transmitir vão levar grávidas menos bem informadas a evitar a vacinação, apesar de esta ser (tudo o indica) segura, correndo riscos desnecessários para si e para o feto. Mas que importa, perante a perspectiva de aumentar as vendas?
Entretanto, a Noruega comunicou oficialmente uma mutação do vírus. Este ataca agora a base dos pulmões e evolui por vezes como uma pneumonia, com resultados bem mais graves do que a gripe A original e várias mortes entre os doentes afectados por essa nova variante, embora o número de casos seja ainda tão baixo que o mais prudente é evitar tirar, para já, conclusões. Sabe-se é que a actual vacina é eficaz contra a mutação sofrida pelo vírus, pelo que o mais prudente seria acelerar o processo de vacinação.
Imaginemos agora uma jovem grávida a passar em frente a um quiosque dos jornais e a percorrer com os olhos as primeiras páginas dos jornais: “Grávida Vacinada Perde Feto de 34 Semanas”, “Segunda morte de feto de grávida vacinada em Portalegre”. Notícias semelhantes sucedem-se na rádio e na televisão, num martelar constante que transforma o mesmo caso em dúzias de casos. Irá vacinar-se?
Por: António Ferreira