O pálio de Cidadelhe, no concelho de Pinhel, poderá ter saído à rua pela última vez no dia em que comemorou 300 anos de existência. A peça, religiosamente guardada “a sete chaves” pelos 32 habitantes da aldeia, só sai à rua duas vez por ano – no domingo de Páscoa e na procissão do Corpo de Deus – mas, excepcionalmente, foi exibida, no passado sábado, para assinalar a efeméride.
Apesar do seu relativo bom estado de conservação, muitos foram os apelos para que o pálio não voltasse a ser usado nas procissões anuais da aldeia, mas também para deixar de andar escondido de casa em casa, já que isso o deteriora. «O “velhinho” pálio está em relativamente bom estado de conservação. Mas não o voltem a usar em procissões», apelou Manuela Pinto da Costa. A museóloga e conservadora apresentou a ficha técnica da relíquia de Cidadelhe, após algumas semanas de estudos, e defendeu a sua preservação e salvaguarda. A docente de História da Arte na Faculdade de Letras da Universidade do Porto disse ainda tratar-se de «uma peça única», confessando nunca ter visto outra igual. «O valor do pálio está na tradição e na identidade do povo de Cidadelhe», sublinhou, revelando que se o bordado a ouro fosse vendido «não daria dois euros». Já o Bispo da Guarda, D. Manuel Felício, considerou tratar-se de uma «relíquia maravilhosa que deve ser estudada e apresentada em condições». Também Rui Ventura, vereador da Câmara de Pinhel, apelou à sua preservação. «O pálio é um tesouro cultural e material, é uma peça que todos desejam ver, por isso é preciso tomar consciência para o preservar», advertiu.
Nesse sentido, para evitar a deterioração do pálio, a Comissão Fabriqueira da Igreja e a Junta de Freguesia decidiram recuperar um edifício da aldeia e transformá-lo num local seguro de forma a poder guardar e expor esta relíquia. Paulo Marques, autarca local, acabou por confirmar que a Junta já está a «tratar do processo», pelo que deverá ter sido a última vez que o pálio saiu à rua em procissão. Também José Saramago, na sua obra “Viagens a Portugal”, fez uma alusão à peça referindo que «ir a Cidadelhe e não ver o pálio, seria o mesmo que ir a Roma e não ver o Papa». Foi assim que Saramago se referiu ao maior segredo da aldeia. A relíquia é de veludo carmesim e tem a inscrição “Cidadelhe 1707” bordada a ouro. A peça de valor incalculável, completou 300 anos de existência e continuará a ser guardada pela população e afastada dos olhares curiosos dos visitantes, até que seja encontrado um local seguro para ser exposto. Reza a história que durante todo o ano o “tesouro” anda de casa em casa, onde permanece durante duas ou mais semanas, sem nunca ninguém saiba ao certo onde se encontra.
Tânia Santos