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Pai Natal

observatório de ornitorrincos

Antes de começar a falar dessa nobre profissão de pai-natal gostaria de referir dois pontos prévios, como fazem os colunistas mais importantes da imprensa respeitável (ah, e do semanário Sol também). É curioso o hábito de quase todos estabelecerem pontos prévios no início do texto e quase nunca no fim, altura que reservam para alinhavar notas finais. Manias de colunista. Mas também não serei eu a inovar. Não tenho boas recordações das vezes que tentei inovar e fui apanhado pela minha mãe. Vamos então aos pontos prévios antes das notas finais. Primeiro, considero que devo uma explicação aos leitores. Segundo, não sou muito de ligar às dívidas. Posto isto (é de bom tom avisar o leitor que os pontos prévios já foram afixados no papel e é hora de seguir em frente) analisemos então a actividade do pai-natalismo.

A primeira informação a reter sobre o pai-natal é que é uma profissão com enorme grau de exclusividade. Partilha com o Papa, o Dalai Lama e o Secretário-Geral da ONU a mesma característica: enquanto existir um, mais ninguém pode exercer essas actividades. (Por acaso numa altura da história havia dois Papas, mas no pai-natalismo nunca houve cismas nem Pais Natais de Avinhão.) É verdade que cargos como Rei ou Presidente da República e Primeiro-Ministro só podem ser desempenhados por uma pessoa de cada vez (felizmente), mas pelo menos há mais ou menos um por país. Pai- natal, Papa, Dalai Lama e Secretário-Geral da ONU só há um de cada para o mundo inteiro. (É curioso como a Europa e a Ásia dividem actualmente entre si estes exclusivos cargos – um lapão e um alemão nos primeiros, um tibetano e um coreano nos últimos.) Embora a possibilidade de ser o próximo Pai Natal seja aproximadamente de um para 6 mil milhões (1:6 000 000 000), os jovens da Beira Interior com o sonho de fazer carreira na tarefa de distribuir embrulhos não devem desesperar ou desistir. É verdade que a comunidade internacional não costuma escolher portugueses para cargos de responsabilidade global. Se Guterres e Barroso não tivessem abandonado o lugar de Primeiro-Ministro para que foram eleitos hoje talvez pudessem exercer cargos de prestígio internacional, como o de pai-natal, em vez de estarem na UE ou na ONU.

É bem verdade que existem centenas de “pais-natais” espalhados pelos centros comerciais e pelas ruas do país, mas todos sabemos que são apenas imitações do original. Têm vantagens no acesso à vaga quando ela for desocupada? Sim, provavelmente na entrevista essa prática de lidar com aspectos da profissão pode revelar-se vantajosa. Veja-se o caso do papado. O Cardeal Ratzinger, antes de ser Papa, já fingia que o era. Quando foi preciso escolher um novo, ele já era o mais habituado à tarefa. Os chineses, sempre dispostos a aprender com o Ocidente, também já decidiram quem vai ser o próximo Dalai Lama, para poupar trabalho aos monges tibetanos, muito ocupados com a meditação transcendental e outros aspectos do foro místico.

Por isso, a escolha do próximo Pai Natal é uma tarefa que não deve ser deixada ao acaso nem à vontade discriminatória de grupos privilegiados. Acredito que a decisão deve ser sujeita a escrutínio meticuloso após envios de currículos detalhados e provas de aferição de conhecimentos e respeito pela deontologia profissional. A nomeação, como é óbvio e natural, deve ficar a cargo da organização que sempre promoveu e protegeu a especificidade e a nobreza original da profissão: a Coca-Cola.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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