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Outro interior

O mundo global mostra-nos o que há de diferente longe. Mas mostra-nos também o que há de parecido longe. E se vale sempre a pena conhecer o mundo, vale sobretudo muito a pena estarmos atentos aos sinais de reconhecimento que nos aproximam de povos e lugares que passam pelos mesmos desafios por que passamos.

É o caso do interior. Situação geográfica, cultural, social e económica comum que aproxima, por exemplo, cidades como a Guarda e a Covilhã em Portugal, a cidades como Poços de Caldas ou Alfenas, no sul do estado de Minas Gerais, no Brasil. Quatro cidades de altitude, nas encostas de serras, frescas de verão, frias de inverno, com turismo de montanha, periféricas, mas, ao mesmo tempo, entre grandes capitais. No nosso caso, entre Lisboa e Madrid. No caso das cidades mineiras, entre Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte. E localizadas em países que têm passado por momentos económicos e sociais difíceis.

Vem a menção a este exemplo a propósito da primeira edição do LUBRAL, simpósio luso-brasileiro-alemão de filosofia, comunicação e subjetividade, realizado nas respetivas universidades das duas cidades mineiras (PUC de Poços de Caldas e na Univ. Federal de Alfenas) e que contou com a coorganização da nossa UBI. Foi um excelente encontro, que terminou esta semana, e que surpreendeu sobretudo pela grande convergência em olhar para problemas que são deste século e que mexem com a vida de toda a gente. E também pela convergência nos diagnósticos feitos. Tanto no que respeita a aspetos científicos, de compreensão das transformações do nosso tempo, como no que respeita à necessidade de posicionamento cívico face a esse nosso tempo em mudança. Os resultados serão publicados em livro. E daqui a dois anos, se tudo correr bem, uma segunda edição terá lugar na Covilhã.

É interessante notar ainda que, por proposta da comissão científica do simpósio, na sua sessão de encerramento foi posta a votação e aprovado um manifesto crítico da PEC (proposta de emenda constitucional) que tem estado em discussão no Brasil. De novo a semelhança com circunstâncias que vivemos há não muito em Portugal é de assinalar. A PEC está para o Brasil como a regra do défice de 0% esteve para Portugal quando o governo Passos Coelho, no seu início, a quis impor, obediente aos ditames do senhor Shauble. A PEC quer retirar instrumentos políticos de política económica a quem, no futuro, governe com mandato democrático. Em Portugal, constitucionalizar um limite para o défice orçamental não foi menos do que uma tentativa, felizmente frustrada, de constitucionalizar a menorização política do país. No Brasil, constitucionalizar um teto da gastos públicos não é diferente. Oxalá, os seus constitucionalistas notem e se inspirem nessas semelhanças.

Por: André Barata

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