Além de um simples ofício, ser ourives está a tornar-se, hoje em dia, uma verdadeira mina de ouro para os assaltantes. Poucos serão aqueles que não têm histórias de roubos ou de tentativas de assaltos para contar.
É o caso de Delfim Moreira Gomes, de 64 anos. É ourives há 35 na Guarda e não perde a conta ao tempo que já dedicou à profissão e, muito menos, àquilo que já perdeu: «Foram 18 cartões de ouro, na loja e em feiras, cada um no valor de cerca de cinco mil euros, e 50 mil só num assalto rocambolesco em Pinhel há 10 anos», contabiliza. Na sua opinião, o grande perigo está em ir às feiras. «De vez em quando ainda faço algumas, no Fundão e na zona da raia, mas cada vez menos», garante. Aliás, o ourives anuncia que vai abandonar os mercados depois do Verão. «É preciso ter certos cuidados, como levar sempre dois carros e pelo menos três homens», refere, com experiência. Mas, além da insegurança, a quebra do negócio também está por detrás desta decisão, pois, «antigamente, numa feira fazia-se 100 ou 200 contos, hoje, apenas 100 ou 200 euros». Valores que não valem o risco que os ourives correm semanalmente, assegura.
Delfim Moreira Gomes não poupa críticas às autoridades, que «não garantem protecção aos ourives». Conta que, no Fundão, lhe levaram, em tempos, um cartão de pulseiras de senhora. Apresentou queixa e ainda foi acusado de fazer “bluff”: «A partir desse dia nunca mais apresentei qualquer participação, até porque já tinha antes participado quatro ou cinco roubos e nunca apareceu nada, nem as autoridades fizeram nada», acusa, garantindo que «não vale a pena, porque ninguém nos defende». No assalto de Pinhel, em que não conseguiu reaver «mais de metade» do que foi levado do seu estabelecimento, os assaltantes foram apanhados e levados a tribunal. «Só que apenas foram condenados a pagar uma determinada quantia ao Ministério Público e em momento algum se falou do dono da ourivesaria. Não fui ressarcido de nada e isso é que é muito triste», critica.
Por isso, assegura que ser ourives «não é uma profissão de risco, mas sim de muito alto risco». Na sua opinião, o problema «é que o valor do ouro está permanentemente a bater recordes e constitui uma tentação para os larápios, sobretudo estando nós tão desprotegidos e indefesos». Por outro lado, o ourives considera «caricato» que desapareçam milhares de quilos de ouro por ano em Portugal e que não apareça nem uma grama. «Há qualquer coisa que está mal, tem de haver receptadores nalgum lado. Às vezes interrogo-me se serão colegas meus. Para onde é que esse ouro vai, será que as nossas autoridades não sabem?», interroga-se. Augusto Miranda também é ourives na Guarda, profissão que abraça há 37 dos seus 49 anos de idade. «Este ramo está a correr um risco muito grande, não há segurança», afirma, admitindo que os comerciantes deste sector têm medo. «Ao abrir a loja, mesmo durante o dia, há que estar sempre com atenção e ver quem passa na rua. Sinto-me inseguro, eles podem entrar a qualquer momento. Conheço inúmeros casos assim», acrescenta.
Aliás, o seu estabelecimento, no centro da cidade, já foi assaltado por três vezes, «há 20 e tal anos, há cinco e há dois anos», recapitula. Nas duas primeiras vezes, os roubos foram perpetrados à noite, mas o último aconteceu às 11 da manhã, «com pessoas a passar na rua e um senhor a pintar a fachada do edifício em frente à minha loja», recorda. Mas ninguém deu conta. Por essas e por outras, garante que «há muitos colegas que estão a desistir, pois ninguém faz seguros e, por vezes, em poucos minutos, perdem-se 20 ou 30 anos de trabalho», lamenta.
Assim terá acontecido com Natalino Santos, surpreendido na zona da Estação de Celorico da Beira quando se dirigia para a feira de Trancoso, em Dezembro último. Após o assalto, não quis saber mais do negócio e desfez-se da ourivesaria, junto ao Jardim José de Lemos, no início deste mês. Pior sorte teve António Nunes Cardoso, a vítima mais recente destes assaltos. O proprietário da Ourivesaria Nunes, em Celorico da Beira, foi alvejado com gravidade na cara quando regressava do mercado de Trancoso. Só recentemente regressou a casa, depois de ter estado internado nos Hospitais da Universidade Coimbra. Para além do prejuízo monetário, perdeu também uma vista. «E ninguém fez, nem faz nada», lamenta a esposa, sem querer acrescentar muito mais. Apenas que «o certo é que o meu marido nunca mais vai poder voltar a trabalhar».
Rosa Ramos