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Ou vai ou racha

Escrevo antes do Conselho Europeu, mas o que se segue vale, seja qual for o resultado.

Jacques Delors dizia que isto da Europa era como andar de bicicleta: se se parasse caía-se. Delors sabia: era ciclista e ninguém melhor do que ele conheceu a máquina europeia. Helmut Kohl (uma das duas rodinhas laterais que ampararam a bicicleta de Delors — a outra era François Mitterrand) foi mais longe: a propósito do euro disse que se não houvesse moeda única haveria guerra — não logo, com certeza, mas seriam favas contadas. Exageros? Talvez não.

O projecto a que chamamos União Europeia começou com a Alemanha vencida de rastos e a França e depois o Reino Unido (que, meio às arrecuas, se lhes veio juntar) vencedores mas muito enfraquecidos. Em 1945 o poder da Europa acabara. Duas potências tinham passado a mandar no mundo: os Estados Unidos, que na NATO defendiam a Europa e que pagavam o Plano Marshall, e a União Soviética, que metia medo ao Ocidente, ajudando-o a ter juízo. No intervalo de paz e sossego criado pela Guerra Fria a Europa medrou mas, quando já ia em Doze, a União Soviética esboroou-se. Agora, com a Europa a Vinte e Sete, os Estados Unidos, à rédea solta, mais ressentidos do que nunca pelos seus aliados e com terceiros poderes a agigantarem-se no mundo, o futuro é incerto. Se a Guerra Fria houvesse durado talvez a Europa sonhada pelos pais-fundadores se tivesse estabelecido. Assim os europeus arriscam-se a caírem da bicicleta e a brigarem outra vez uns com os outros.

Tirando a Alemanha, os grandes da Europa parecem ter esquecido a História, querem esconder que sozinhos já não vão a parte nenhuma, tratam mal os pequenos e agitam cada vez mais o Estado-Nação contra a Europa Comunitária. À esquerda e à direita: a França de Sarkozy e Ségolène Royal é igual à França de De Gaulle (mas não à de Schuman ou Mitterrand) tal como a Grã-Bretanha de Gordon Brown é igual à de Margaret Thatcher (mas não à de Heath ou Harold Macmillan). O seu exemplo estimula os quase grandes, com a Polónia dos gémeos a exagerar. E anima por fim toda a gente: amigo estudioso dizia-me que com cada novo tratado europeu Portugal perdera soberania pelo que sentia a tentação dos gémeos de dizer que não ao seguinte.

Mas é essa a alma do negócio. Sem cedências de soberania das nações a um poder europeu os interesses de cada europeu — liberdade, prosperidade, decência política, segurança — seriam muito menos bem defendidos do que são hoje pela partilha de tarefas e responsabilidades entre o poder comunitário novo e as nações antigas. De Gaulle dizia que as nações eram ovos cozidos e com ovos cozidos não se faziam omeletas; com efeito o equilíbrio é difícil e exige ajustes inteligentes. Mas abrir, por populismo ou convicção, a caixa de Pandora dos nacionalismos é enfraquecer fatalmente a Europa.

Os europeus já não têm impérios e só fazendo das fraquezas forças — isto é, juntando-se — poderão sobreviver no confronto com os impérios dos outros.

Por: José Cutileiro

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