Arquivo

Os perigos de votar mal

Muita gente de boa-fé votou em Trump. Mas recebeu também os votos dos hillbillies, do white trash, do KKK, da direita religiosa, da direita xenófoba e neonazi, de uma classe média ignorante e estupidificada pela trash TV e pelos tabloides, dos crentes nas teorias da conspiração mais estúpidas que o mundo já viu (a Terra não é redonda, não houve alunagem, o 11 de Setembro foi um inside job, o massacre de Sandy Hook não existiu). A América inteligente e civilizada nem queria acontecer no que estava a suceder quando viu os resultados, mas depois veio o pior: o cumprimento das promessas, ou pelo menos das piores.

O acordo de Paris sobre alterações climáticas foi boicotado por Trump, a atual política de imigração enxovalha a promessa inscrita na pedra em Ellis Island, a guerra comercial lançada contra a Europa e o Canadá irá agravar-se e alienar aliados de séculos, para além de lançar o caos no comércio internacional.

Entretanto, a nova e corrupta administração norte-americana escolhe outros aliados, como o corrupto e perigoso Putin e liberta a pressão sobre a Coreia do Norte, dando outro fôlego, em troca de nada, a um dos mais vis regimes à face da Terra, enquanto rompe o acordo com o Irão – que quanto ao seu programa nuclear lhe tinha dado as garantias que a Coreia do Norte lhe não deu agora.

Muito mais se poderia dizer, mas a chanceler alemã disse quase tudo quando constatou que, com esta América, a Europa conta apenas consigo mesma. Toda a Europa? Não, temos de tirar daqui a Inglaterra, vítima de outro épico erro eleitoral que a amputou da União Europeia. Aqui, como na América, os eleitores foram enganados com factos inventados e uma campanha em que valeu tudo nas redes sociais. Os vencedores do referendo colheram os louros e abandonaram depois o país à sua sorte, à espera da pesada fatura que o Brexit vai trazer.

Dirão que cada eleitor tem o que merece, mas os que não votaram em Trump ou no Brexit, como nós todos, igualmente afetados por essas asneiras, também não. Na origem de tudo isto está outra expressão inglesa, autoexplicativa: dumbing down, a tendência geral para a “burrificação”, a superficialidade, o pensar pouco sobre as coisas, sem ferramentas lógicas ou culturais que ajudem a separar o que é bom daquilo que não presta. É também aí a origem do poder dos tiranos.

Por: António Ferreira

Sobre o autor

Leave a Reply