No último artigo que publiquei no «Diário Económico», «Os media e a Net», comentei a reacção algo nervosa dos media ao aparecimento do blogue do MAI «A nossa opinião». Com este blogue, o MAI responde aos seus críticos, sem ter de invocar o direito de resposta ou de se socorrer do aparelho mediático convencional. A minha conclusão era a de que estas reacções se explicavam no quadro de uma dialéctica de tipo concorrencial que já se está a verificar entre a Net e os media convencionais. Com efeito, a Net dispensa os chamados «gatekeepers», os guardiões do espaço público mediático, e isso começa a pôr nervosos os velhos mediadores, os donos e senhores da informação e da opinião: directores, editores, editorialitas. Porque com a Net é possível a cada cidadão entrar no novo espaço público sem pedir licença aos «gatekeepers».
As reacções negativas ao blogue de António Costa seriam explicáveis por esta razão.
Esta questão faz-me lembrar as palavras de Bill Cinton aos jornalistas americanos num jantar para que eles próprios o haviam convidado: «sabeis por que razão posso ignorar-vos nas conferências de imprensa? Porque Larry King me libertou de vós, pondo-me em contacto directamente com o povo americano». As reacções dos jornalistas foram negativas e Clinton viria a ter muitos dissabores depois destas afirmações. E neste caso ainda se tratava de um meio convencional, a televisão, a CNN. Agora, com a Net, o corte ainda é mais radical. De resto, a sua difusão já é muito mais significativa do que se possa pensar: os clientes da Net, em Portugal, já são 1.617.000, o que, comparado com o total de vendas dos 31 meios de comunicação escritos mais importantes, que é de cerca de 2.092.903 exemplares (dados do 1.º trim.2006, da APCT), já representa uma dimensão excepcional que não pode deixar de ser tomada em linha de conta em qualquer reflexão sobre o novo espaço público.
Mas não é só disto que se trata, com o blogue do MAI. Trata-se também de uma reacção de espanto perante a ousadia do poder político em criticar os críticos. Mantendo-se claramente dominante nos nossos media a ideologia da «liberdade negativa» (em face do Estado), compreende-se que assim seja. Os media, sendo os «cães de guarda» da opinião pública, não podem reconhecer ao «inimigo» (esse poder político em face do qual se afirma a «liberdade negativa») o direito a usar uma arma que reivindicam como se fosse a própria razão de existência: a arma da crítica.
Ora se esta já era a minha convicção, mais a reforcei quando tive a oportunidade de ler um artigo do Director do «Expresso», Henrique Monteiro, intitulado «O comentador António Costa» (31.03.2007, p. 36). Diz Henrique Monteiro: «o Governo deve ser escrutinado pela comunicação social, mas a comunicação social não pode nem deve ser escrutinada pelo Governo. Porquê? Porque este deve ser o último órgão de soberania a interferir nos “media”». Esta posição revela, de forma clara, uma concepção restritiva da democracia que recusa o direito de crítica ao poder político – confundindo-o com interferência abusiva na liberdade de imprensa – ao mesmo tempo que o reivindica como prerrogativa dos media. O autor não reconhece, assim, validade a um dos direitos fundamentais consignados na Declaração Universal dos Direitos do Homem. O que é extraordinário para quem faz da liberdade de expressão a razão primeira da sua própria vocação profissional! Por outro lado, verifica-se também um sintomático e problemático afunilamento da função social dos media, uma vez que a informação surge convertida em exercício da crítica como escrutínio político, como se a sua função originária consistisse em criticar e escrutinar e não em informar, com objectividade e imparcialidade. A verdade é que se o escrutínio político deve ser feito por todos, desde os eleitores até às oposições e aos movimentos cívicos, os media deveriam, neste aspecto, reservar a sua função sobretudo para a informação, servindo também como plataforma de debate e evitando, deste modo, que se transformassem em directos protagonistas políticos com causas e com programas políticos e em evidente ruptura com os princípios que integram o seu código deontológico.
A posição de Henrique Monteiro, na sua linearidade, revela-se como preocupante sinal de um perigoso protagonismo mediático que começa a declinar a palavra liberdade ao ritmo da sua própria vontade de poder.
Por: João de Almeida Santos