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Os Dilemas do Endividado

Parece então que estamos falidos. Não conseguimos pagar as despesas correntes com os nossos próprios recursos e não temos credibilidade suficiente para que nos emprestem dinheiro no entretanto. O problema é que os nossos credores, presentes e futuros, deixaram de acreditar no que acontece depois do entretanto: o mais certo, pensam eles, é que depois de lhes emprestarmos mais uns milhares de milhões, que eles vão gastar para pagar outras dívidas, vão chegar rapidamente à situação de não conseguirem pagar nem dívidas nem juros. Tinha de acontecer, como já perceberam todos, que o acumular de dívida, depois de décadas seguidas a pedir emprestado para compensar a diferença entre a receita e a despesa, havia de nos levar ao exacto ponto em que estamos: a nossa dívida é demasiado grande, já a não conseguimos pagar e não nos emprestam mais dinheiro.

Posto isto, há várias correntes de “pensamento” a teorizar sobre o assunto. Em primeiro lugar, há quem procure estratégias para “tranquilizar os mercados”, dizendo em tom solene na televisão que Portugal não precisa do FMI, que as actuais dificuldades se devem aos especuladores e que, quando tudo voltar ao normal, poderemos voltar a pedir empréstimos nos mercados financeiros a preços razoáveis. A verdade é que nem o FMI, nem os mercados e nem os especuladores se têm comovido com o argumento e que continuam, todos, a desconfiar da nossa solvabilidade e do tom solene de quem a apregoa.

Outros dizem que é indispensável um pedido de ajuda imediato ao FMI e ao Fundo Europeu de Equilíbrio Financeiro. Quando confrontados com a desagradável circunstância de termos um governo demissionário, por isso com simples poderes de gestão corrente, dizem que esses poderes são os bastantes. Parece que ninguém se recorda que o FMI exige contrapartidas que implicam, entre outras coisas, alterar o Código do Trabalho, aumentar impostos, diminuir salários, reestruturar a função pública – o que implica atividade legislativa para a qual o governo não tem poderes (e não esqueçamos que foi chumbado o PEC 4, que já trazia algumas dessas medidas, pela oposição). Isto é: mesmo que o governo tenha legitimidade para pedir ajuda, não a tem para discutir ou negociar as contrapartidas.

Há ainda quem proponha a solução radical de não pagar. Assumimos o maior calote da nossa história, deixamos os credores aos gritos e encolhemos os ombros. Há versões menos radicais, que passam por uma reestruturação da dívida, prolongamento dos prazos de pagamento, renegociação das taxas de juros, mas a ideia é a mesma: assumir o incumprimento. Isto seria uma brilhante solução, não houvesse algumas objeções de monta. Em primeiro lugar, não deveríamos aceitar tão ligeiramente a passagem da fronteira do calote; em segundo, com um Estado normalmente deficitário, precisamos mesmo de manter alguma credibilidade; em terceiro isso implicaria o fecho da torneira do crédito, e já vimos que precisamos dele como de pão para a boca, por muitos e muitos anos.

Há outra corrente de pensamento, mas é claramente minoritária, tanto que pouco se ouve falar dela. É a de quem se preocupa com a questão mais importante de todas: como vamos pagar a dívida?

Por: António Ferreira

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