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Os amigos nunca partem

Entrementes

Quando o conheci, e já lá vai um ror de anos, as rugas e os cabelos encanecidos marcavam-no. Mas não, não era velho. Aquelas eram, vim depois a sabê-lo e a confirmá-lo ao longo do tempo, marcas da experiência e do saber que só a vida traz.

Falo, pois claro, do amigo Guilhermino Carvalhinho. E que gosto me dá poder utilizar a palavra amigo!… Sim, sei que o era. Mais de uma vez mo demonstrou. Como quando me convidou para ler «uns poemas que estão por aí… Vê lá se são linhas que se possam mostrar…». E acrescentava, quase que a pedir desculpa: é que, sabes, estas mãos têm calos mas é de outras «esferográficas»… Da leitura resultou uma publicação na saudosa coleção “O Fio da Memória” ao qual chamámos “Raízes”, unindo assim duas das suas grandes paixões: a escrita e as esculturas que arrancava ao âmago da urze. Deu-me, ademais, a honra de poder escrever a nota introdutória.

E não, Guilhermino não era só isto. Era um homem de outras paixões, de uma integridade inquestionável, de uma retidão de caráter a toda a prova, altruísta e solidário como poucos. Era, como um amigo comum escreveu nas redes sociais, um socialista, acrescentando o mesmo amigo, que isso é bem mais do que apenas pertencer a um partido político, ainda que seja o seu, dele Guilhermino, PS.

Com ele aprendi que nem tudo pode valer, na política, como na vida. Ainda que a defesa dos valores em que acreditamos nos possa, no imediato, acarretar alguns dissabores. A ele a quem a vida nunca se mostrou fácil, (ele mesmo o escreve: «Trolha, carpinteiro, pintor, artesão/De tudo um pouco para ter pão.») nada o fazia demover das suas convicções. Disso sou testemunha, até porque fui seu companheiro em vários executivos da extinta Junta de Freguesia da Sé.

Além disso, conheci também a sua veia de artista. Quantas tardes passámos em conversas de tudo e nada enquanto as suas mãos hábeis tiravam das nozelhas da urze lagartos e dinossauros, pássaros vários, a águia do seu (e meu) Benfica… Que saudades do café tomado ao lado de sua casa, na coletividade que ajudou a fundar!…

E desses momentos guardo ainda a sua vertente algo brejeira que o levava a gracejar consigo próprio… «Ah, às vezes tanto me apetece mandar a alguns com o meu nome!!! Mas deixava cair o v…» Ou então quando, referindo-se à sua imensa prole e às esculturas que lhe saíam das mãos: «Enquanto tive pau fi-los de carne, agora… faço-os de madeira…».

Pois é, caro amigo Guilhermino, se, na sua proverbial sabedoria, o povo diz que quando se morre se passou a ser um saco de virtudes, é a mais pura verdade dizer que o senhor o foi em vida. E lá, onde nasceu mais uma estrela, continue a manter essa dignidade e esse enorme espírito solidário que foi sempre seu apanágio. Ah, e não se esqueça de nós que por aqui continuamos neste vale de lágrimas. Sabe, Guilhermino, é que os amigos nunca partem…

Por: Norberto Gonçalves

Comentários dos nossos leitores
Henrique Silva requintasilva@gmail.com
Comentário:
Belíssima HOMENAGEM a HOMEM ÍNTEGRO.
 

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