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Ornitorrincos, Ano II – O Início

Observatório de Ornitorrincos

Na sua coluna diária do jornal Público, Eduardo Prado Coelho tem vindo a tecer grandes elogios ao “intelectual dos intelectuais”, Sartre, também conhecido como o melhor filósofo existencialista que dormiu com Simone de Beauvoir ou como o maior pensador francês a nunca ter denunciado os gulags (e todo o sistema ditatorial dos sovietes) da União Soviética para não difamar o “sonho lindo” do comunismo. Coelho escreve assim: “Mais do que o homem da liberdade, [Sartre foi] o homem em que o para-si fazia sentido libertando-se do em-si.” Estaline, é sabido, encarregou-se de libertar milhões de homens do em-si. Sartre não se importou. Era, afinal, o intelectual dos intelectuais.

Entretanto, os socialistas chegados ao poder tiveram uma bela ideia. Criar uma base de dados genéticos global de todos os cidadãos. Eu, que já nem gosto muito do conceito do bilhete de identidade, encomendei a minha alma a Santo Aron (o intelectual dos não-intelectuais, diria Prado Coelho). O primeiro-ministro pode ser muito liberal e moderno, mas um governo do Partido Socialista nunca deixará de ser socialista. Como é a segurança dos cidadãos que está em causa, para lidar com as agressões sexuais, proponho a construção de uma base de dados internacional de fluidos dos órgãos reprodutores. Eu disponibilizo-me para fazer a recolha dos dados de Monica Belucci, Scarlett Johansson e Kirsten Dunst. Isto é para não dizerem que no Observatório de Ornitorrincos há muitas e boas ideias, mas que o autor é só paleio e nunca é visto a fazer nada. Estou, como se pode ver, disponível para arregaçar as mangas.

Entretanto, parece que já é possível fazer-se um referendo em Junho para referendar o aborto. Para referendar a Constituição Europeia só havia data lá para Outubro, o que vai dar uma salsichada enorme porque é preciso mudar a nossa Constituição para permitir a consulta em simultâneo com as eleições autárquicas. Afinal, para poder mudar a lei do aborto, aparece um domingo milagroso em Junho que coincide com todas as datas. Se calhar podia aproveitar-se o andamento e faziam-se os dois referendos no mesmo dia. Ou aproveitava-se o dia e perguntava-se aos portugueses tudo o que precisamos de saber. Se concorda com um presidente que dissolve parlamentos com maiorias absolutas, se é favorável à adesão da Amadora à União Europeia, se acha bem que as sogras dêem palpites sobre a vida dos recém-casados, se lhe parece correcto as mulheres quererem sempre mais do que um orgasmo e, last but not the least, se os colunistas de jornais portugueses podem usar e abusar de expressões estrangeiras nos seus artigos, nomeadamente quando estes são hostis ao governo e não consideram Jean-Paul Sartre o “intelectual dos intelectuais”. Esta última pergunta já foi considerada pelos juízes do Tribunal Constitucional como “uma pergunta muito mais simples e acessível que a primeira pergunta formulada para o referendo sobre a Carta Constitucional Europeia.”

EU VI UM ORNITORRINCO

A pureza da espécie

Durante um ano, 52 semanas, houve o cuidado de nunca repetir um ornitorrinco. A partir de agora, esse cuidado será menor, porque o país é pequeno e há ornitorrincos que merecem a nossa estima. Freitas do Amaral e José Saramago são ornitorrincos-elefantes que esmagam com o seu peso intelectual as pequenas criaturas que os rodeiam. A inveja que o mundo sente deles é maior do que aquela que eu sentia por Brad Pitt. (Escrevo “sentia” porque o rapaz está a divorciar-se da menina Jennifer, que está livre outra vez. É um bilhete para Beverly Hills, se faz favor.) O mundo pára para os ver passar e ouvir os seus bramidos. Eu sinto-me esmagado por eles. E o leitor?

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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