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Opinião deformada

Observatório de Ornitorrincos

Na passada semana o jornal A Capital assumiu uma posição editorial sobre as eleições americanas, com manchete de primeira página, oferecendo o seu apoio a John Kerry. Nos dias seguintes, quase todos os comentadores da imprensa portuguesa exultavam a atitude franca e honesta. É preciso ter coragem para um jornal com divulgação nacional entre Vila Franca de Xira e o Barreiro expressar a opinião dos seus directores acerca das eleições num país do outro lado do Atlântico. Uma sondagem divulgada durante a semana passada mostrava que mais de dois terços dos europeus preferia Kerry como presidente americano, o que torna a decisão de A Capital ainda mais corajosa, pois é sabido como os jornalistas não apreciam partilhar as opiniões do cidadão comum, considerada gente pouco esclarecida pelos profissionais da palavra escrita. A verdade é que há muito tempo que um jornal diário não assumia nos seus editoriais posições políticas de esquerda de forma tão clara e assumida. A administração está mesmo a pensar mudar o nome da publicação de A Capital para O Capital.

Também o The Guardian assumiu a sua preferência por Kerry e pretende distribuir, no estado norte-americano do Ohio, um dos estados onde as eleições se podem decidir, alguns milhares de exemplares da edição onde explicam as razões para não votar em Bush, o que poderá surtir algum efeito caso os leitores americanos consigam decifrar o inglês britânico do diário londrino.

Sobre a sondagem já referida que indica um repúdio em massa dos europeus à reeleição de George W, alguns jornais e revistas publicaram títulos de primeira página do género “A Europa apoia Kerry”. No entanto, isto não me parece tanto uma boa manchete, mas sim uma óptima frase da campanha republicana.

O mundo espera com ansiedade a reacção das populações do Ohio, do Novo México e da Florida à guerra de editoriais entre Luís Delgado e Luís Osório.

Confesso o meu apreço por jornalismo “alinhado”. Considero importante esta relação de honestidade entre a direcção e redacção de qualquer órgão de informação e o seu público, desde que não envolva relatos explícitos das intimidades. A não ser numa publicação dirigida por alguma ex-modelo espampanante. Nesses casos, a intimidade da directora costuma ser bem mais interessante que a sua opinião política. (Mas deixemos isso, este artigo não é sobre revistas femininas.)

Finalmente, espera-se que a partir deste exemplo o jornalismo português passe a avocar publicamente as suas opções nos assuntos mais importantes da nossa vida colectiva. Só para dar alguns exemplos, o DN revelaria que apoia qualquer governo à direita de António Costa, o 24 Horas assumiria a sua preferência por José Castelo-Branco na “Quinta das Celebridades” e o Correio da Manhã tornaria questão editorial a sua antipatia por agentes da Brigada de Trânsito da GNR. O Público, dirigido por um conservador mas escrito por libertários de esquerda, poderia resolver essa esquizofrenia com duas primeiras páginas nas bancas – dessa forma, cada leitor comprava a que mais lhe aprouvesse. No panorama regional, o Jornal do Fundão poderia muito bem clarificar junto dos seus leitores qual das obras públicas da responsabilidade do presidente Carlos Pinto está mais próxima da sua linha editorial. Para o Notícias da Covilhã ficaria a séria responsabilidade de divulgar em manchete de primeira página o queijo da serra preferido da redacção.

EU VI UM ORNITORRINCO (DE CAPA NEGRA)

Estudantes universitários de Coimbra

Tentaram invadir o Senado da Universidade. A polícia impediu-os. Os meninos ficaram zangados. Aparentemente, a polícia não cumpriu com rigor o estipulado no código de praxe. Prendeu um caloiro, acção só permitida a veteranos e malta trajada.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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