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Onde pára o público?

Corta!

Os números não enganam. Já não é novidade o cada vez menor numero de espectadores de cinema. Não só em Portugal, mas um pouco por todo o lado. O que talvez seja novidade são os valores recentemente divulgados de um estudo feito no nosso país. Afinal tudo vai pior do que se julgaria. Só nos primeiros seis meses deste ano, em comparação com período igual de 2004, as salas de cinema portuguesas perderam, diariamente, cerca de cinco mil espectadores. Cinco mil, a menos, por dia. É muita gente que desistiu de sair de casa para ver um filme. O cinema terá perdido o seu encanto?

Com salas cada vez melhor equipadas, com ecrãs cada vez maiores e uma atenção reforçada dada ao conforto, os números deveriam ser ao contrário. Mas não são. O que nos leva desde logo a eliminar como possível justificação a má qualidade das salas.

A possível falta das habituais grandes produções, que levam avalanches de pessoas aos cinemas que esgotam a produção de milho nacional a cada fim-de-semana em que essas grandes estreias acontecem, também não serve. Este ano já tivemos Guerra das Estrelas (na foto), Batman, Spielberg e uma grande produção de Ridley «Gladiador» Scott completamente ignorada pelo público. Os filmes vão surgindo, como sempre, sem falhas, rotineiramente. O público esse é que deixou de aparecer com tal regularidade. Talvez pelo lado rotineiro das grandes produções. A sensação de deja vu surge cada vez mais ao espectador de cinema. E para quem quer ser surpreendido, não pode existir pior sensação. Onde é que eu já vi isto?

Então, mas afinal, que pode justificar o desaparecimento de cinco mil espectadores diários? Com o surgimento do DVD, muitas pessoas passaram a optar por ver cinema em casa, podendo escolher aquilo que querem ver dentro de um leque muito mais variado. Mas será mesmo isso uma justificação? Segundo o estudo recentemente divulgado, realizado pela Euroexpansão, dois terços dos portugueses (63%) não compram filmes e mais de metade não os aluga. Mas, se a solução para essas cinco mil pessoas passasse realmente pela troca por ver filmes em casa, outra questão se coloca. O cinema, as salas de cinema, parecem já não conseguir atrair quem vê filmes. Para muitos espectadores, ver um filme num ecrã de televisão será semelhante ao ver o mesmo filme numa tela de cinema. O lado mágico e quase religioso para algumas pessoas, que transformam uma ida ao cinema em algo de especial, está talvez a perder-se. Para muitos o cinema já não é visto como arte mas apenas entretenimento. Está-se em casa e não há nada para fazer? Filme na televisão, qual papel de parede, e duas horas já ficaram preenchidas. É pena…

Mas a culpa, se é que se pode falar aqui de culpa, não será apenas do espectador que, rodeado de imagens e ecrãs por todos os lados, a toda a hora, opta pela pequenez do seu ecrã de casa. E não tardará muito até que se comecem a ver filmes em telemóveis. Muita malta vai adorar tal possibilidade. Para outros, nessa altura, virão certamente à memória as palavras do Coronel Kurtz «The horror, the horror». Realmente há gente para tudo. Mas, dizia, a culpa não é só de quem vê filmes. Se o número de salas é cada vez maior (grande contradição com o cada vez menor número de espectadores) e a quantidade de estreias semanais até aumentou, isso não corresponde realmente a um aumento da oferta. Grande parte dos filmes não resiste em sala o tempo suficiente para que o boca-a-boca seja feito, saindo prejudicados todos os filmes sem dinheiro para mega-promoções. E quantas vezes não são esses os filmes que valem realmente a pena ser vistos?

Quanto mais se vê, menos se vê realmente. Cegados pela enorme quantidade de imagens os espectadores desaparecem. Julgam tudo por igual. O cinema, esse, para sobreviver, tem que tentar fazer o que sempre fez: surpreender. Deixar-se de repetições e apostas em fórmulas conhecidas e reconhecidas por todos. Jogar pelo seguro pode ter bons resultados em desporto, nunca nas artes, mesmo para quem a única preocupação ao produzir um filme seja o lucro, via entretenimento.

Por: Hugo Sousa

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