Arquivo

Onde a terra divide a água em três braços

Morro de Vale de Estrela separa as bacias hidrográficas do Tejo, Douro e Mondego

Não será muito vulgar um ponto de uma montanha dividir a água em três caminhos distintos na correria até à foz no Atlântico. Este fenómeno natural, quiçá único no país, permite que num pequeno morro sobranceiro à freguesia de Vale de Estrela, na periferia da Guarda, as águas se dividam no mesmo ponto pelas bacias hidrográficas do Tejo, Douro e Mondego.

Tudo acontece a 1.014 metros de altitude, no local onde foi erigido um cruzeiro que assinala o local do Miradouro Hidrográfico, em pleno Parque Natural da Serra da Estrela (PNSE), divisando, ao longe, a Torre no local mais elevado do continente português, as Serras da Gardunha, Marofa e Lapa, o Morro de Monsanto, as depressões da Cova da Beira. Ao chover, a água infiltrada desdobra-se em três braços distintos que marcam a orografia da região da Serra da Estela e Beira Interior e que, engrossando a juzante, influenciaram, culturas e povos, o estabelecimento de comunidades, actividades sociais e económicas. Por ironia da Natureza, no local onde as bacias hidrográficas do Tejo, Douro e Mondego se dividem, não há fonte ou riacho, embora seja natural que dali surjam subterrâneos, alguns fios de águas que alimentam prados e lameiros que, ao longo dos tempos, fizeram de Vale de Estrela uma terra rica em agro-pecuária.

Certo, porém, é que daqui parte água para o Norte (Douro) através dos ribeiros e riachos que fazem depois o rio Noéme desaguar no Côa, perto de Miuzela (Almeida), e este no Douro em Foz Côa. A vertente do Mondego, na zona Centro, é daqui alimentada para a ribeira da Corujeira onde foi construída a barragem do Caldeirão, perto de Prado/Chãos/Maçaínhas, a poucos quilómetros da Guarda. Entronca no Mondego em Pêro Soares, correndo depois para o Atlântico, atravessados que foram os campos de Mizarela/Aldeia Viçosa/ Porto da Carne, Açores, os campos de Celorico da Beira e de Fornos de Algodres, a Felgueira, Coimbra, serpenteando Montemor para abraçar o mar na Figueira da Foz.

Para a bacia hidrográfica do Tejo correm as águas das ribeiras do Vale da Amezendinha e da Vela, que se entroncam no Zêzere perto de Belmonte e daqui correm através da Cova da Beira, dos vales encaixados das Minas da Panasqueira e da Barroca ou Dornelas do Zêzere e vão juntar-se em Constância ao internacional Tejo a caminho de Lisboa. Abundam em Vale de Estrela várias nascentes de água e mesmo do sítio da Montanheira chegou a abastecer a cidade numa captação com central, ainda existente. Pela situação das nascentes, a água que nasce na freguesia, por gravidade, alimenta os terrenos em redor, conferindo à paisagem um ar viçoso. Assim, a água da Gafanha, e que posteriormente é armazenada na Poça das Valhelhas, é usada para regas, por gravidade e, ao ser aberta a torneira da represa, a água percorre os regos e as canalizações da rede.

Isto possibilita que todas as pessoas com quintal tenham acesso à mesma fonte de água numa rede que se prevê que tenha 800 metros de comprimento. Segundo a Junta de Freguesia, os utilizadores têm direito a um número de horas predefinido para cada um, consoante o tamanho do quintal, sendo cobrados um euros à hora, preço estabelecido para controlar desperdícios. No caso de a poça estar cheia, é possível regar durante 8 horas seguidas. Em 1941, Vale de Estrela tornou-se na primeira aldeia do concelho da Guarda a ter iluminação eléctrica e também telefone em troca da exploração da água da Montanheira, Central de Elevação de Águas, à Câmara da Guarda.

José Domingos

Sobre o autor

Leave a Reply