Quando se entra n’ A Botelha, em Vilar Formoso, junto à fronteira, estamos longe de imaginar as relíquias que se escondem na cave. Basta descer as escadas para recuar no tempo e dar de caras com autênticas preciosidades do vinho nacional.
Com dezenas de milhares de garrafas reunidas, o responsável pelo estabelecimento comercial, António Júlio Gonçalves, quer fazer da cave da sua garrafeira «um museu do Vinho». Alguns dos néctares que ali se podem encontrar já não são produzidos e há até marcas que já não existem, mas que são conservados para a posterioridade, como é o caso do Cova Juliana, da Cova da Beira, ou do Piornos, da Adega da Cooperativa da Covilhã, que entretanto já encerrou. Foi «por acaso» que este espólio de vinhos, alguns deles agora bem raros, começou, confessa o responsável, adiantando que a ideia arrancou com vinhos que não foram vendidos. Ao longo de mais de 30 anos as sobras foram ficando na cave do edifício em Vilar Formoso, mas o empresário estava longe de imaginar que o espaço se tornaria uma verdadeira adega com «vinhos de todas as regiões do país, sobretudo portos».
Os preços de cada garrafa são hoje mais elevados do que tinham na altura, o que se deve à «raridade» dos néctares. No entanto, mais que o valor material que aquela adega possa ter, António Júlio Gonçalves destaca «o valor histórico» dos exemplares, pois é sobretudo ao rótulo que dá valor. E é exatamente isso que os seus clientes procuram: «Quando chegam aqui querem muitas vezes um vinho que identifique também uma memória, por exemplo o ano de nascimento», refere o responsável, garantindo que este museu d’A Botelha pode satisfazer qualquer desejo do cliente. Entre a larga oferta, a garrafa mais antiga data de 1937, um Porto “Ramos Pinto”. «Temos vinhos já para os tetranetos», brinca António Júlio Gonçalves.
Na tentativa de descoberta de um vinho por cada ano são os Portos que saltam mais à vista, mas não só. «Da região do Douro, mais recente, temos desde o seu aparecimento, na década de 80. Também os vinhos do Dão e da Bairrada fazem parte do extenso espólio», exemplifica. Quanto à sua qualidade após tantos anos, o empresário acredita que não está em causa. «Há vinhos fabulosos com mais de 30 anos e há outros recentes que, com 10 anos, podem estar em pior estado», sublinha. O dono d’A Botelha acredita que o fator positivo é exatamente a «resistência ao tempo, pois quantos mais anos passarem mais valor isso tem». Este investimento, feito ao acaso ao longo de mais de 30 anos e que causou até algum prejuízo, pode ser hoje «um trunfo» contra a grande distribuição. «As grandes companhias querem vender caro o vinho que está acabado de sair. Dizem que são os melhores, mas por vezes é mentira, querem despachá-lo muito rapidamente», alerta António Júlio Gonçalves, afirmando que manter estas garrafas por vários anos «tem custos mais elevados».
Maioria dos clientes são espanhóis
São maioritariamente os estrangeiros que procuram “A Botelha” em Vilar Formoso, sobretudo espanhóis, que, muitas vezes, querem levar um “recuerdo”. Do outro lado da fronteira vêm também clientes habituais que residem entre Fuentes de Onõro e Salamanca. «Temos clientes espanhóis todos os dias. É já uma garrafeira muito conhecida e quando querem vinhos portugueses vêm até aqui», diz orgulhoso. Procuram sobretudo vinhos verdes. Já os franceses, que também por ali param, dão preferências aos Portos. Os vinhos da região ainda não conquistaram “nuestros hermanos” e são normalmente vendidos aos locais, uma clientela «mais residual».
Com a ligação da autoestrada entre Portugal e Espanha para breve impõe-se a questão de como será com o comércio de Vilar Formoso. António Júlio Gonçalves sabe que tem «clientes já fidelizados», mas acredita que a procura possa diminuir «em 30 por cento». O empresário pensa já em formas de diminuir o impacto da autoestrada, que vão passar pela publicidade nas redes sociais e em “outdoors”, mas também pela divulgação do Museu de Vinhos que ali pretende criar. O próximo passo será também a criação de uma loja online para «chegar a todo o mundo».
Ana Eugénia Inácio