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Observatório de Ornitorrincos

Procura-se

Assistente para rei do jet-set

Dá-se preferência a pessoas perspicazes, inteligentes, que gostem de vestir bem e com contactos no mundo do social. Tem de ser chique, claro!

(in “24 Horas”)

Excelentíssima Majestade ou Caro Zé:

Antes de começar, deixe-me endereçar-lhe os parabéns pela magnífica vitória no fabuloso programa da Quinta, conseguida contra a opinião maldosa da cambada intelectual deste país que o não merece. Se fosse espanhol, seria tão importante como a princesa Letizia ou – sejamos ambiciosos – como Isabel Presley.

Venho por este meio responder ao genial anúncio publicado na imprensa diária de qualidade que eu tenho por hábito ler. Principalmente quando publicam as suas fantásticas entrevistas, crónicas, dizeres ou opiniões.

Pede que os candidatos sejam perspicazes. Penso ser bastante perspicaz. Basta ver que descobri o seu anúncio no meio de um jornal com tanta informação valiosa e interessante. Considero-o um visionário por não eliminar todos os candidatos capazes de encontrar no dicionário o significado da palavra “perspicaz” em menos de hora e meia, mas espero que me reconheça uma vantagem sobre muitos: sei perfeitamente que a letra P vem depois do O e antes de uma outra qualquer.

A sua lendária inteligência fê-lo determinar que necessita também de um assistente dotado de capacidades cognitivas extraordinárias. As minhas conexões cerebrais não serão obviamente tão elaboradas e complexas como as suas, mas tenho alguma esperteza que não fica atrás dos campeões de sueca do grupo recreativo da esquina.

Pessoalmente gosto de me vestir bem, embora a minha mãe insista mais em que eu me agasalhe bem. Gosto de usar roupa bonita e faço as minhas compras nas lojas mais afamadas do país: Pepe Jeans, Zara e Pull & Bear. Até tenho sapatilhas de várias cores – vermelhas, azuis e cinzentas. As últimas, por exemplo, foram compradas no El Corte Inglés. E tudo o que é inglês é chique. No Inverno rigoroso, costumo usar também um blusão de penas – verdadeiras, de ganso! Como pode testemunhar, o meu guarda-roupa tem na porta um C de chique. Até um fato protegido por várias bolas de naftalina contém. A minha preocupação com a aparência é constante. O medo das agulhas para injectar botox fez-me optar por obter uma forma arredondada da cara à força de hambúrgueres da McDonald’s.

Quanto aos contactos sociais, devo confessar-lhe que tenho amigos poetas, críticos culturais, jornalistas, guionistas, humoristas e outros que ganham a vida a pensar e a escrever. Se me contratar afastar-me-ei da sua má influência e não voltarei a perder o meu tempo com conversas inúteis sobre cultura, política ou gajas. Não voltarei a aparecer em programas vergonhosos tipo Cabaret da Coxa e limitar-me-ei a frequentar reality shows onde possa mostrar ao país a sua generosidade simplesmente por existir.

Considero ser também muito importante a minha experiência internacional. Já tive uma namorada estrangeira, estudei em Londres e Salamanca, participei num congresso em Barcelona e bebi um frapuccino no Starbucks em Madrid. E não só, também já vi filmes passados em Paris e Nova Iorque.

Pode acreditar que esvaziarei as minhas estantes, cheias de tralha ideológica da estirpe de Paul Johnson e Michael Oakeshott ou de escritores como Woody Allen e Evelyn Waugh, gente que não contribui para ninguém ser mais bonito ou mais chique. Uma prateleira com todos os volumes dos seus pensamentos seria o suficiente. No resto da parede, valiosas reproduções de pintores conhecidos assinadas por si.

Espero que considere esta missiva como sincera e genuína. Isso só provará a sua superior perspicácia, a sua inteligência, o bom gosto que tem e o chiquérrimo que é.

Bem haja!

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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