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O Valor do Trabalho (1)

Hoje não vais trabalhar… (2)

O trabalho humano é instrumento de produção, realização e atributo da dignidade específica do ser humano.

O valor intrínseco do afirmado é perene e está carente de renovada atenção. (3)

O trabalho «não é uma mercadoria» (4) mas antes um fenómeno social complexo que envolve «esforços e canseiras pessoais, mas também muitas tensões, conflitos e crises que perturbam a vida de cada uma das sociedades e mesmo da inteira humanidade». (3)

Um dos ângulos de observação destas tensões e correlações de forças é a quantificação (em cada momento) dos rendimentos do trabalho comparativamente aos outros rendimentos, genericamente apelidados de capital. Constata-se que no mundo ocidental, desde finais da década de sessenta do século passado, a proporção dos rendimentos do trabalho tem reduzido. Por exemplo em Portugal, em 1973, a proporção dos rendimentos do trabalho era significativamente maior do que em 2015.

Piketty, (5) analisando exaustivamente vários países europeus, constata que a taxa média de rentabilidade do capital tende a ser mais elevada (dupla em várias séries temporais) que a taxa de crescimento da produção (r>g), ou seja a acumulação financeira é maior que a economia produtiva.

O mundo ocidental, ou inverte esta tendência com normas democráticas e transparentes, ou passa a ser verdade o afirmado premonitoriamente em 15 de maio de 1891 por Leão XIII « …a influência da riqueza nas mãos dum pequeno número, ao lado da indigência da multidão …». (6)

A perceção deste fenómeno é uma das molas propulsoras do populismo reemergente.

Outra dimensão transversal a toda a Europa – Flexibilização do mercado –. (7) e (8)

A moda “Neoliberal” a que toda a Europa aderiu – fosse o Governo da área do socialismo democrático ou da social-democracia – teve letra firme na cartilha “Memorando de Entendimento” – assinado por uns e aplicado por outros.

Não tem perdão a irresponsabilidade de quem nos levou à troika nem o fervor de quem nos aplicou a receita.

Os resultados falam por si (7) e (8): em 2016, 82% dos novos contratos eram precários; a proporção de contratos sem termo decresceu continuamente desde 2012, os precários têm aumentado; os salários dos novos contratados em 2013 eram 11% mais baixos, em relação aos salários dos que saíram das empresas no mesmo ano; 37% dos novos contratos em 2016 foram pelo montante do salário mínimo; 62% dos subsídios de desemprego atribuídos pela 1ª vez em 2015 foram para terminus de contratos a termo, etc, etc, etc.

Da qualidade do emprego estamos conversados.

A quantidade de emprego também não foi grande coisa, embora tenha subido lentamente.

Entre 2011 e 2015, o desemprego baixou essencialmente devido à emigração de mais de 400.000 pessoas (jovens e bem qualificados). Tripla perda… afetiva, quantitativa e qualitativa.

A “desvalorização interna” do valor Trabalho e assim dos trabalhadores, fez-se e faz-se (embora menos) pela transferência de fluxos financeiros para outros atores: países credores (solidariedade europeia e do FMI !!); sector financeiro (risco sistémico!!), fuga para offshores (todos bons rapazes, quase todos condecorados pela República!!!).

Esta realidade tem vencidos e vencedores, nas palavras de António Barreto, e custos económicos e sociais que vamos pagar com “língua de sete palmos”, apesar dos sinais positivos, de que é exemplo a correção da desigualdade salarial entre Homem e Mulher no sector têxtil.

O mais doloroso, o mais sombrio e mais longo no tempo (gerações) é a redução da natalidade.

O relatório de análise ao 4º trimestre de 2016 do emprego na região Norte mostra a ponta do iceberg ao afirmar «tem sido possível crescer o emprego, mas é difícil fazer crescer a oferta de mão-de-obra». (9)

As projeções demográficas para 2050/2080 são aterradoras.

Não podemos acabar um texto neste tom magoado. Assim, socorrendo-me de Eça de Queirós ao falar do 1º de maio de 1892, direi «…neste dia de renovação primaveril da terra, devemos em agradecimento aos deuses, pendurar à nossa porta ramos de giestas em flor»… ou trautear a canção de Paulo de Carvalho «…hoje não vais trabalhar porque faz anos que és trabalhador…»

Por: José Valbom

* Médico

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(1) Evocação das manifestações de Chicago de 1886, que celebramos mo 1º de Maio

(2) Refrão da canção de Paulo de Carvalho “Hoje”- sobre o 1º de Maio

(3) Carta Encíclica “ Laborem Exercens”- SP Papa João Paulo II- 1981

(4) Organização do Internacional do Trabalho, citada por Eliseu Estanque

(5) Piketty, Thomas – O capital no séc. XXI- Lisboa, Temas e Debates, 2014, 912pp

(6) Carta Encíclica ”Rerum Novarum” – SP Papa Leão XIII

(7) Livro Verde sobre as relações laborais – 2016- Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social

(8) Helena Lopes, ISCTE, Abril 2017

(9) Norte, Conjuntura do 4º Trimestre- 2016- C.C.D.R.N. – Ano XI, nº 44

Comentários dos nossos leitores
Júlio Salvador jota6693@gmail.com
Comentário:
Excelente análise sociológica e económica sobre o trabalho com subtis farpas políticas bem aplicadas. Adorei
 

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