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O Triunfo do Grotesco

Quebra-Cabeças

Milhões de gregos celebram nas ruas de Atenas os feitos dos seus onze “deuses”. A palavra, nunca como hoje, é abusivamente utilizada. Estes deuses são banais humanos, do mais corriqueiro, do mais chão, do mais aborrecido que pode existir. Se existe alguma coisa de notável em algum deles é mesmo o seu notório abandono de alguma ambição de grandeza e notabilidade. De aqui a 20 anos iremos recordar que a Grécia foi campeã em 2004, que os implacáveis registos escritos irão assegurar a exactidão da nossa memória. Alguns de nós recordarão a cobardia, a monotonia, a mesquinhez do seu futebol. Nenhum recordará um único momento grandioso do seu jogo, algo que mereça ser recordado pelas gerações vindouras.

Não foram as Termópilas, mas foi Lisboa. É como se os vulgares persas, notáveis apenas pelo seu número, fossem os heróis de uma batalha épica. Os deuses, desta vez, manifestaram-se apenas pelo sentido de humor. Portugal fez vibrar o mundo em dois ou três jogos notáveis? Pois vamos então dar o título a estes pobres, bisonhos, trabalhadores do ofício da bola.

A Arte despreza o trabalho. O trolha que aplica baldes de massa numa obra não diverte o público, a não ser que este seja composto de espectadores gregos. Ninguém pagaria um bilhete para ver aquela equipa jogar, a não ser que tivesse problemas para adormecer e quisesse seguir um tratamento. Dizem os adeptos da estatística, mesmo assim, que “o que interessa é ganhar”. Eu presto antes a minha homenagem a uma selecção, a portuguesa, que se recusa a ganhar assim e que respeita o espectador e o espectáculo. E pergunto aos gregos, quando pensarem um pouco no assunto, que jogadas gloriosas, que jogos fantásticos, que momentos sublimes guardarão deste Europeu para mostrarem às gerações vindouras? Nós, portugueses, podemos ao menos guardar no nosso coração, para sempre, os jogos com a Espanha e com a Inglaterra.

Mas os deuses continuam a rir, e continuamos a ser o alvo. Depois da sua cobarde fuga, em que deixou o país num caos, Durão Barroso decide entregar-nos às mãos de um primeiro-ministro de opereta. Havia muitas soluções, todas elas inconvenientes e caras, e o mais simples é mesmo suportar o pesado sentido de humor dos deuses e aturar, por dois anos, esta graçola sem gosto. Sobreviveremos.

Por: António Ferreira

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