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O Tó

Numa altura em que a classe docente foi dividida por uma ministra intratável, nós cá pela Guarda, na nossa Afonso de Albuquerque, temos alguém que nos dá algumas razões para sorrirmos, essa personagem é o Tó.

Recebe-nos de asas abertas em cada manhã ao chegarmos à escola, faz uma algazarra olímpica, cumprimenta-nos e crava-nos refeições, vem à janela comer à mão de alguns privilegiados, sempre a palrar: “Ó tóóóó, ó tóóó!”. Umas vezes espantando a concorrência (pombos que por ali passem), outras vigiando do alto da copa das árvores do Parque Municipal, o quotidiano do Tó resume-se a interagir com a comunidade da Afonso. Diariamente, com uma pontualidade britânica, lá está para nos receber na sua humilde e adoptada casa, quer seja pousado na cornija da entrada principal ou descendo à terra junto de nós. É definitivamente a nossa outra mascote (o Quercas vai estando “velhote”). O Tó é um espantoso corvo da espécie Corvus corax e, apesar da sua cor negra, ele é muito simpático e gerador de boa disposição entre docentes, alunos e funcionários da nossa escola. Só uma coisa traria mais boa disposição e vontade de começar um novo dia a uma classe docente desmoralizada e desautorizada – a revogação imediata do novo Estatuto da Carreira Docente, o qual, à boa maneira do velho ditado “Dividir para reinar”, veio pela primeira vez introduzir mau estar, desconfiança e subserviência entre pares e retirar-lhes independência.

Que mal fizemos nós? Será que esta ministra não compreende que amamos a nossa profissão? Que a maior parte de nós abraçou esta carreira por devoção? Porque maquiavélica razão fomos, neste últimos anos, o bode expiatório do sistema? Dizem as eminências pardas que damos muita despesa ao Estado, por isso têm de cortar nas nossas carreiras (leia-se ordenados) e insistem em desmoralizar-nos perante a sociedade, mas o que seria da sociedade sem os professores? Felizmente que em países civilizados, com um PIB per-capita e um grau de instrução superior ao nosso, a imagem que os Ministros da Educação fazem passar à população é bem mais saudável do que a que a nossa ministra faz passar por cá. Em Espanha pode ler-se em outdoors: “Obrigado professores, sem vocês não o teríamos conseguido” e em França: “Tudo o que somos devemo-lo aos nossos professores” Em Portugal a nossa Mi(lú)nistra, num ataque de populismo bacoco veio para os media propalar: “Perdi os professores, mas ganhei a população”. Acorde minha senhora! Saberá Vª Exª que uma classe docente dividida, desmoralizada, desautorizada, despojada, desmotivada e amedrontada dificilmente poderá desempenhar este nobre papel, o de formar cidadãos preparados para vencer os desafios da vida em sociedade? Saberá Vª Exª que a maior preocupação de um professor deveria ser a de desempenhar o fulcral papel de ensinar? Que devido à desresponsabilização de muitos pais no acto de educar, esse papel é passado para os professores? Que, para além de professores e educadores, somos também coordenadores, directores, escriturários, organizadores, confidentes, vigilantes, mediadores de conflitos, entre outras funções?

Provavelmente não lhe devem interessar estes e outros argumentos, mas fique sabendo que a lealdade do Tó, a sua simpatia, amabilidade e alegria, qualidades que em Vª Exª nunca foram, por nós, vislumbradas, vão sendo como gotas de mel neste imenso mar de fel em que nos mergulhou.

Esta Ministra está “morta”! Longa vida ao Tó! (e o “Quercas” que se cuide!).

Por: José Carlos Lopes

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