“No relvado havia um anjo de pedra negra, e a sua cabeça de anjo erguia-se sobre folhas gigantescas, os olhos de anjo de vidro duro levantados para o céu”.
Adaptado de Truman Capote em “Os cães ladram”
No pátio interior de um café na Royal Street sentiu-se o barulho pesado e sucessivo de coisas acabadas de cair. Virámos a cabeça: eram três folhas enormes e ingurgitadas, vermelho-púrpura de uma árvore que nos disseram ser uma bananeira; tinham tombado sobre os canteiros limítrofes, onde plantas de desmesurada folhagem verde-escuro exorbitam em direcção ao céu.
Estão neste momento sobre a minha secretária, no Lafayette Hotel, na mítica St. Charles Avenue, em Nova Orleães, Louisiana.
Há indivíduos cheios de sorte: aqueles que são pagos para fazerem aquilo que gostam de fazer.
Não é o meu caso.
Ver doentes não tem nada de divertido.
Mas, atenção, imprensa portuguesa, se precisarem de um cronista de viagens, I´m available.
Que se lixe o jetlag, os crocodilos e os mosquitos, se os houver.
Só imponho uma condição: não me metam em assépticos e incaracterísticos hotéis de luxo, com janelas que não abrem e ar condicionado; prefiro hotéis antigos e decadentes, com mobiliário de época, ventoinhas de tecto, redes mosquiteiras, se for caso disso, portas de correr e janelas de sacada.
É o caso deste, com o defeito de ter ar condicionado que felizmente se pode desligar, de forma que, levantando as janelas, se pode respirar a insinuante atmosfera da cidade com os seus cheiros intensos e a sua elevada taxa de humidade relativa (65% nesta época do ano, a mais seca).
Para os fãs da escritora norte-americana de ascendência irlandesa Anne O´Brien Rice, autora das sagas das bruxas, dos taltos e dos vampiros, Nova Orleães é obviamente um destino de eleição.
Aqui, Lestat criou Louis, o mais humano de todos os vampiros e Louis criou Claudia, a sua companheira-criança, com a qual dormia castamente abraçado. Aqui, revoltados com o seu incompreensível destino, ambos tentaram destruir Lestat pelo fogo, lançando-o depois aos pântanos, esquecendo-se que é impossível matar o que já está morto. Aqui, na Prytania Street, Louis reencontrou Lestat, engelhado pelas chamas, reduzido a um estado miserável, ele que sempre tinha vivido principescamente, comendo ratos por não ter forças para caçar humanos, mas inumanamente “vivo”.
Aqui está “a casa”, a mansão violeta do Garden District, na confluência da Chestnut com a First, no seu estilo revivalista grego, com os seus capitéis dóricos e coríntios, o seu gradeamento de ferro forjado com um padrão intricado de rosas e os seus famosos alpendres laterais, a casa das bruxas Mayfair, com o relvado e os mirtilos e o carvalho sob o qual Lasher e a sua filha taltos foram enterrados, a casa onde Michael via “o homem”, desde a infância, não sabendo que estava destinados a abrir, com Rowan, a porta para ele passar para o mundo dos vivos, à custa do filho de ambos, um feto chamado Chris.
A casa existe, mesmo. É, na realidade, a casa da escritora. Não consegui ver se tinha a piscina octogonal, mas vi a sua imponência e beleza, os carvalhos, as magnólias e as buganvílias e, muito perto o cemitério Lafayette, onde infelizmente não consegui entrar.
Depois disto já posso morrer.
Bom, gostava de ir primeiro à Escócia ver se Donelaith existe ou não…*
* I´m so sorry mas só entenderá esta referência quem tiver lido as obras da escritora. Recomendo para quem tiver apetência para os estreitos limites que separam o real do imaginário. O sonho do pesadelo.
Por: Maria Massena