Gonçalo Amaral deve ser um homem cheio de si próprio. Foi o responsável por uma investigação calamitosa no ‘caso Maddie’, mas, segundo o balanço que o próprio faz, todos tiveram a culpa excepto ele.
Segundo Gonçalo, a culpa é do facto de o apartamento dos McCann não ter sido resguardado, da polícia britânica que não deu toda a colaboração, dos jornalistas que andaram a atrapalhar, do Governo de Sua Majestade que pressionou, do Governo português que se deixou pressionar, dos procuradores, dos dirigentes da PJ, da conspiração dos poderosos e – se o deixarem continuar a desabafar – há-de sobrar para a CIA, a Maçonaria, o Opus Dei, a Trilateral, Bildberg e o Papa, habituais suspeitos das teorias conspirativas que circulam na Internet.
O mesmo inspector não deve ser inibido (para não falar em ter vergonha), porque depois das suspeitas que sobre ele caem devido à condução do ‘caso Joana’ (outra menina desaparecida, cuja mãe, condenada pela sua morte, acusa a PJ de a ter torturado) e ao desastre do ‘caso Maddie’ arma-se em herói nacional e detentor da verdade, contra tudo e contra todos, e mantém uma teoria absurda que não resiste a uma análise minimamente estruturada.
Amaral também não deve ter pensado que não lhe ficava bem falar e escrever pormenorizadamente sobre um processo que – apesar de violado abundantemente – ainda está em segredo de Justiça. Ou que não lhe fica bem ser juiz em causa própria.
Mas o mais interessante do livro do ex-inspector é ficarmos a saber onde nasceram as célebres ‘mentiras’ da comunicação social, de que todos falam. Finalmente, verifica-se que as teses mais descabeladas saíram daquele cérebro iluminado. E que certos jornais, à falta de melhor, publicaram sem contraditório, sem investigação, sem lógica e sem provas.
Mas Gonçalo continua a afirmar a sua ‘convicção’ de que Maddie morreu no apartamento. Deve ter herdado da justiça medieval esta ideia da ‘convicção’ sem prova; ou da Alice, de Carrol, a ideia de que primeiro se corta a cabeça e depois se faz o julgamento; ou de ‘O Estrangeiro’, de Camus, a fixação na importância do “facies” do criminoso ou do facto de se chorar ou não perante a morte.
O Estado de direito assenta na prova, para lá das dúvidas. A ideia de que a inocência prevalece sobre a culpa – quando não há prova em contrário – separa a civilização da barbárie.
Infelizmente, temos restos da barbárie entre nós. Até há bem pouco chefiava a PJ de Portimão. Espero que fosse o último.
Por: Henrique Monteiro