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O rei da festa

Bolo-rei é o símbolo da época natalícia em Portugal

Não é possível falar-se na doçaria típica da época natalícia sem aludir ao famoso bolo-rei, com a sua forma de coroa, as suas frutas cristalizadas e frutos secos, a fava e o brinde. É um doce carregado de simbologia, já que representa os presentes oferecidos pelos Reis Magos ao Menino Jesus. A côdea (a parte exterior) simboliza o ouro, as frutas secas e cristalizadas representam a mirra, por último, o incenso está representado no aroma.

Já a explicação para a existência da fava no interior no bolo-rei está ligada a uma lenda, segundo a qual quando os Reis Magos viram a Estrela de Belém, que anunciava o nascimento de Cristo, disputaram entre si o direito de entregar ao Menino os presentes que levavam. Como estes não conseguiam chegar a um acordo, um padeiro, para pôr termo à discussão, propôs fazer um bolo com uma fava no interior da massa. De seguida, cada um dos três magos do Oriente pegou numa fatia e aquele que tivesse a sorte de retirar a fatia com a fava, ganharia o direito de entregar os presentes a Jesus. Contudo, não se sabe até hoje qual foi o contemplado com a fava. É claro que isto é só uma lenda, porque o Bolo Rei tem, na verdade origens francesas. A sua receita correu mundo e muito contribuiu para isso a fama que o bolo ganhou de proporcionar prosperidade a quem comesse a fatia com a fava. Contudo, dita a tradição que quem receber a fava tem de oferecer o bolo-rei no ano seguinte.

Os romanos costumavam votar com favas, prática introduzida nos banquetes das Saturnais, durante as quais se procedia à eleição do Rei da Festa, também chamado Rei da fava. Diz-se que este costume teve origem num inocente jogo de crianças, muito frequente durante aquelas festas e que consistia em escolher o rei, tirando-o à sorte com favas. O jogo acabou por ser adaptado pelos adultos, que passaram a utilizar as favas para votar nas assembleias. Como aquele jogo infantil era característico do mês de Dezembro, a Igreja Católica passou a relacioná-lo com a Natividade e, depois, com a Epifania, ou seja, com os dias 25 de Dezembro e 6 de Janeiro. A influência da Igreja na Idade Média determinou a criação do Dia de Reis, simbolizado por uma fava introduzida num bolo, cuja receita se desconhece. O que é certo é que a festa de Reis começou muito cedo a ser celebrada na corte dos reis de França. O bolo-rei teria surgido no tempo de Luís XIV para as festas do Ano Novo e do dia de Reis. Vários escritores escrevem sobre ele, e Greuze celebrou-o num quadro, exactamente com o nome de “Gâteau des Rois”.

Com a Revolução Francesa, em 1789, este bolo foi proibido. Só que os pasteleiros tinham ali um bom negócio, e em vez de o eliminarem, passaram a chamar-lhe “Gâteau des sans-cullottes”. Em Portugal, após a proclamação da República, não chegou a ser proibido, mas andou lá perto. Com excepção desse mau período, o bolo-rei tem uma história de sucesso e, hoje como ontem, as confeitarias e pastelarias não se poupam a esforços na sua promoção por estes dias. Tanto quanto se sabe, a primeira casa onde se vendeu em Lisboa o bolo-rei foi a Confeitaria Nacional, certamente depois de 1869. A pouco e pouco, a receita generalizou-se. Outras confeitarias de Lisboa passaram a fabricá-lo, o que deu origem a versões diversas, que de comum tinham apenas a fava. No Porto, foi posto à venda pela primeira vez em 1890, por iniciativa da Confeitaria de Cascais. Diz-se que este bolo-rei foi feito segundo receita que o proprietário daquela confeitaria, Francisco Júlio Cascais, trouxera de Paris. Inicialmente, só era fabricado na véspera do Dia de Reis, mas a partir de 1920, a Confeitaria de Cascais passou a ter bolo-rei quase todos os dias.

Actualmente em Portugal, o consumo de Bolo Rei é mais significativo entre finais de Novembro e o dia 6 de Janeiro. Embora o gosto por este bolo no nosso país faça com que ele seja vendido durante todo o ano, a verdade é que as suas vendas disparam durante a época mais próxima do Natal, até porque, durante este período, o bolo-rei não se limita a ser um bolo com um gosto agradável, é mesmo um verdadeiro símbolo desta época.

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