O governo foi desenterrar a lógica dos distritos (apesar de ter extinto os governos civis) e quer criar 20 comarcas no país, correspondentes aos distritos no continente e às regiões autónomas da Madeira e Açores. A reforma da Justiça prevê a criação de uma única comarca por distrito e de instâncias locais nos concelhos onde o número de processos assim o justifique. Por outro lado, no distrito da Guarda prevê a eliminação de quatro tribunais: Figueira de Castelo Rodrigo, que integrará a instância de Foz Côa, Mêda, que irá “pertencer” a Trancoso, Sabugal, cujo tribunal irá encerrar passando a justiça do concelho a ser administrada na Guarda, e Fornos de Algodres, que passará para Celorico da Beira. O interior volta a ser mutilado, pois não é possível dinamizar os territórios de baixa densidade populacional retirando-lhes serviços, e matando a última réstia da sua soberania, que é exatamente a Justiça.
Com esta reforma renasce a figura do distrito, que estava praticamente eliminada da administração do território. Se forem criadas as comarcas distritais recupera-se a única divisão do território com alguma coerência. Estranhamente, quando o país foi dividido por NUT’s os políticos de então (e que ainda andam por aí…) e os deputados do distrito (sempre fomos muito mal servidos) não souberam gerar dinâmicas distritais e permitiram vários remendos que romperam o nexo territorial que, desde o século XIX, vinha sendo construído com alguma coerência. Estranhamente, os políticos falaram sempre de projetos de regionalização eliminando à partida a possibilidade de manter o distrito como unidade orgânica, cultural e socialmente reconhecida. O distrito da Guarda foi sendo amputado de concelhos como Aguiar da Beira ou Foz Côa em nome de um suposto interesse da população, nas suas relações, mas nunca confirmado num contexto global – Aguiar da Beira é há muito da comarca de Trancoso, apesar das relações económicas com Viseu, mas a verdade é que nada tem ganho nessa aproximação a Lafões, onde é cada vez mais o parente pobre. Já Foz Côa é um concelho “altodouriense” que, pelo vinho, tem grande proximidade à Régua e por arrastamento a Vila Real e ao Porto, nada tem a ver com Bragança e pertence à diocese de Lamego. Mas a verdade é que no dia-a-dia da vida das pessoas tem muito mais a ver com a Guarda e demais concelhos do distrito, apesar de administrativamente há muito essa relação ter sido esvaziada, essencialmente por estranhas vontades políticas, sem que ninguém desde a Guarda tenha querido ou tentado mudar essa relação administrativa. Aliás, na saúde, Foz Côa pertence ao Norte, mas drena para o Hospital da Guarda, levando depois à realização de um processo burocrático-administrativo completamente ignóbil da ULS da Guarda faturar os tratamentos dos doentes do concelho de Foz Côa à ARS Norte.
Saúda-se, pois, o regresso dos distritos. Talvez seja o ponto de partida para uma mudança de ordem administrativa essencial em nome da solidariedade regional. Depois de extintos os governos civis, erradamente, em nome de uns tostões, eliminando uma forma de representação que, não sendo essencial, pelo menos permitia um sentir e uma unidade regional, com alguma descentralização, passámos a ser um país ainda mais centralizado em Lisboa. E se nada for feito contra isso, Portugal será cada vez mais Lisboa e o resto desaparece, em termos administrativos. Como regionalista, defendo, sempre defendi, os distritos (nunca me revi em pseudo regiões que nunca tiveram identidade comum; nem em comunidades urbanas feitas apenas de acordo com negócios partidários e lóbis autárquicos e de técnicos que não comungam das vivências e da cultura de quem povoa o território). Desde logo, o distrito da Guarda.
Luis Baptista-Martins