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O regresso da política

Diário Interior

Depois de um Agosto mais silly que nunca, com o país enlouquecido pelas chamas, o resto do ano começa na próxima segunda-feira. Muitos portugueses regressam ao trabalho, as crianças, a pouco e pouco, voltam às escolas, televisões retomam a programação e jornais acabam com os suplementos estivais, acabam os festivais de verão e recomeça o caso Casa Pia.

Num início prematuro desse resto do ano, arrancou a SuperLiga e discursou Ferro Rodrigues, zurzindo no Governo. A comunicação social chama a este comício a “reentrada”. Realmente, é da reentrada da política na agenda dos media que se trata, porque ninguém acredita que a governação da coisa pública se compadeça com férias, como é facilmente verificável.

Há, da actividade política, uma desconfiança que vai sendo pouco saudável. Se me parece absolutamente legítimo que se fiscalizem e critiquem as opções que os titulares de cargos públicos fazem no exercício dessas funções, temo o descrédito dos “políticos” como categoria geral. Mais preocupante ainda é a nulificação da política como actividade. A Política é a escolha e a gestão, em nome de todos, dos assuntos que dizem respeito à comunidade. É o governo do “bem comum”. Esta é a noção de política que defendo. E por isso, diz-nos respeito a todos. A esta ideia, acrescento a noção da democracia representativa, na qual os cidadãos eleitores escolhem aqueles que querem para os representar. Infalível? Claro que não. Perfeita? De forma alguma. Mas aquela que melhor permite o escrutínio das opções dos políticos. Numa democracia representativa, dizia Burke, os políticos devem ao seu eleitorado a sua capacidade de julgar, não a de agradar. É também esta forma de olhar a acção política que vai fazendo alguma falta no mundo ocidental, excessivamente mediatizado e imediato.

Até por isso as sociedades democráticas devem esclarecer o que querem para e dos representantes políticos. Queremos os mais bem preparados nas questões filosóficas, na acção política ou nas questões técnicas? Queremos profissionais bem qualificados, a quem teremos de pagar muito dinheiro? Queremos pessoas apenas com carreira política desde as juventudes partidárias? Consideramos a hipótese de pagar pouco – ou mesmo nada – a quem exerça um cargo público, fechando as portas a todos os que não tenham possibilidade de viver sem ser de um salário pago por outrém? Podem os políticos continuar a exercer a sua actividade profissional, caso a tenham? Se sim, quais? Todos? Ou apenas os legislativos? E como devemos escolher esses representantes? Devem existir partidos políticos que congreguem grandes rumos políticos? Estas questões são importantes para se perceber a nossa implicação na vida política da freguesia, da cidade e da nação.

É por isto que não gosto dos discursos moralistas de dedo em riste de monteiristas e bloquistas contra esta “política”. Nem dos que dizem que a política hoje se faz pelos movimentos sociais. Porque os movimentos sociais representam interesses muito particulares, não necessariamente representativos do “bem comum”. E passar a responsabilidade para os movimentos sociais, salvo excepções, é uma forma de manifestar o desagrado pela acção dos políticos.

Há políticos eleitos que não merecem o nosso respeito? Há. Pelo menos o meu não merecem. Mas não devemos esquecer que um político não faz a política. E que o descrédito e o desprezo pelos partidos, pela democracia e pela própria política encheram os discursos dos totalitarismos fascistas e comunistas que ensombraram e massacraram a Europa durante grande parte do século XX.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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