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O Que Não Dizem

A Taxa de desemprego em Portugal é a mais alta da zona Euro e uma das mais altas da União. Em qualquer debate parlamentar temos a oposição a procurar marcar pontos à custa desses números, apontando o governo como sendo o culpado pelo problema. É claro que se o PS estivesse na oposição faria o mesmo, mesmo sabendo ser mentira. Diria também que a solução para o desemprego passa pelos apoios às empresas, nem que fosse pelo baixar de impostos e encargos. Diria, ou poderia dizer, que as empresas espanholas, pagando mais baratos os combustíveis e a electricidade, têm uma vantagem competitiva muito grande sobre as portuguesas. O IVA mais baixo em Espanha, por seu lado, agrava ainda mais a situação encarecendo por essa via artificialmente os preços do lado de cá da fronteira. O PS diria isto na oposição, prometendo, como aliás prometeu antes de ganhar as eleições, baixar impostos e apoiar as empresas.

É verdade que o desemprego tem aumentado, e muito. É verdade também, infelizmente, que nem o PS nem o PSD têm uma solução para o problema e que sabem ambos que este vai piorar e muito. Sabem ainda também que este difícil processo é necessário e imparável e não passa de uma consequência da célebre “mudança de paradigma” que se reclama há décadas para a economia portuguesa. Significa isto que a competitividade da indústria portuguesa não pode continuar a basear-se nos salários baixos dos trabalhadores, perdida a eficácia da desvalorização da moeda com a entrada no Euro. Sabiam e sabem muito bem PS e PSD que, com os acordos do GATT e a entrada da China na Organização Mundial do Comércio, as indústrias do Têxtil, confecções e calçado estavam condenadas, mais tarde ou mais cedo. É impossível competir com salários de cem euros ou menos em indústrias com margens de lucro cada vez mais pequenas e em que a margem de lucro é conseguida precisamente à custa desses salários. Reparem, já agora, que não se ouvem falar nas clássicas reivindicações salariais de final de ano os responsáveis sindicais desses sectores, apesar de representarem os trabalhadores mais mal pagos da indústria portuguesa (em que é possível a um trabalhador com trinta anos de serviço receber o salário mínimo). É que eles sabem não haver qualquer margem para isso. Sabem também que o simples aumento do salário mínimo nacional, em Janeiro, vai ser o suficiente para levar à falência dezenas de empresas e ao desemprego centenas ou milhares de trabalhadores.

Estes empregos, que ainda subsistem num mar de dificuldades, enfrentando a concorrência desleal de chineses e outros, são necessários mas muito menos do que se pensa. Esses trabalhadores têm de viver de alguma coisa, é evidente, mas estão a perder o seu tempo em empregos mal remunerados e sem futuro. Os salários que auferem são tão baixos que a maioria nem paga IRS. As suas entidades patronais raramente pagam IRC, tão baixos são os seus lucros. Conheço empresários da confecção que nem sequer conseguem receber um salário das suas empresas. Outros há que só o conseguem à custa do IVA ou da Segurança Social. E conheço outros ainda que, depois de verem falir as suas empresas, foram pessoalmente declarados insolventes.

Há assim a possibilidade de vermos subir os números do desemprego muito mais, na ordem das centenas de milhar. E há muito pouco a fazer quanto a isso, senão aconselhar quem ainda trabalha nos têxteis e na confecção, ou no calçado, ou em qualquer outra indústria que apenas está em Portugal pelos baixos salários, a preparar-se para mudar de vida. Este doloroso processo aconteceu em Espanha e vai acontecer em Portugal. O problema é que não temos Felipe Gonzalez ou Aznar para gerir a transição. Temos, para infelicidade nossa, Sócrates ou Menezes.

Por: António Ferreira

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