Esta pergunta tão elementar mas desconcertante foi feita por um dos muitos repórteres que por estes dias procuram informar sobre o drama humano que se vive no campo de Idomeni, na fronteira entre a Grécia e a Macedónia. Porque, de repente, tornou-se impossível justificar a complacência europeia com o que se passa às suas portas. Os campos de refugiados já não estão só na Jordânia ou na Turquia; estão a mudar-se para a própria Europa, em Calais ou Idomeni. O imperativo moral – aquele que exige uma resposta para a pergunta “o que fazer?” – já não implica apenas o salvamento daqueles que atravessam os mares a fugir das guerras e da miséria humana mas, de forma mais crítica, como tratar os que nos batem à porta em busca desse valor tão básico: a hospitalidade.
E eis que compreendemos melhor o que significa aquilo que há mais de duas décadas se repete como um mantra. O mundo interdependente e globalizado também é isto; interdependente e globalizado pelos efeitos negativos dos conflitos e dos desequilíbrios económicos e ambientais que se avolumam um pouco por todo o mundo. Mas até há bem pouco, podíamos pretender que esse mundo era algo exterior a nós; um objeto que apreendíamos na mediação cómoda do ecrã de televisão e para o qual dirigíamos compaixão e complacência bem medidas e intermitentes. Mas eis que a história da humanidade nos surpreende como uma sucessão de histórias de fugas do Egipto, peregrinações, migrações, buscas de terras prometidas, gentes que se movimentam em busca da dignidade que sonharam para si e para os seus. Durante décadas vimo-los vaguear por essa terra – os verdadeiros condenados da Terra de que falava Frantz Fanon – como se essa fosse a sua condição e que os separava de nós de forma definitiva.
Hoje são as redes sociais que não dão descanso à nossa complacência e que nos lembram que Idomeni é a Europa de 2016: homens, mulheres e crianças –muitas crianças – a dormir noites a fio na lama, debaixo de uma chuva que nos dissolve a dignidade a todos. Hoje circulam múltiplas fotos e relatos nas redes sociais a dar conta, em direto, de uma verdadeira gesta de pessoas anónimas: crianças a nascer no meio da lama ou a dormir em caixas de papelão, pessoas em cadeiras de rodas a atravessar o rio Suva Reka junto com a multidão, o exército macedónio a tomar posições como se esperasse um exército invasor. A resposta elementar, mas desconcertante, à pergunta do repórter espanhol Ignacio Gil sobre o que levam os refugiados nas suas malas está à vista de todos, em cada um dos episódios desta gesta. Das barcaças naufragadas no Mediterrâneo ao vaguear enlameado incessante, para lá das fronteiras e do inverno europeu, os refugiados levam nas suas malas coisas que talvez todos tenhamos que relembrar: dignidade, coragem e esperança.
Por: Marcos Farias Ferreira