Já foi dirigente partidário com diferentes funções, hoje é militante de base do PSD disponível para as “lutas” que se avizinham. Vê com preocupação o estado a que a “sua” Guarda chegou e culpa o PS por a cidade estar «parada». Foi vereador na Câmara da Guarda entre 2005 e 2009, diretor de Estradas do Distrito da Guarda (2001-2003) e de Coimbra (2003-2008). É presidente da ADM Estrela há 14 anos, funções que abandonou esta semana para iniciar «outra forma de colaboração».
P – Estamos em ano de eleições, é militante do PSD, já foi dirigente concelhio e vereador na Câmara da Guarda. Como vê o atual cenário político-partidário na Guarda?
R – A situação do concelho é extremamente simples em termos autárquicos. A Guarda precisa de mudar, é uma necessidade. As pessoas precisam que a Câmara mude, o PSD tem pessoas e capacidades para fazer essa mudança. Mesmo que não quiséssemos fazer uma análise negativa do que tem sido a gestão socialista da Câmara, só o facto de estarem há tantos anos no poder exige mudanças, pois levaram, no mínimo, a uma acomodação que não se sente noutros concelhos. Os eleitores devem confiar no PSD, que tem condições para fazer melhor e para fazer algo que a Guarda precisa. E precisa muito. Apesar da atual situação do país, temos que pensar, estudar e gerir tudo em função de um novo paradigma.
P – E a putativa candidatura de Álvaro Amaro à autarquia?
R- O PSD tem pessoas experientes, válidas e com conhecimentos, naturalmente que Álvaro Amaro é uma delas. Eu sempre disse, mesmo quando fui vereador, que uma cidade como a Guarda, capital de distrito, deve ter à frente um nome conhecido, de referência nacional, e Álvaro Amaro é de facto uma das pessoas – infelizmente, das poucas no distrito – que tem essa notoriedade. Mas o PSD tem muita gente com capacidade de ser candidato, de ganhar as eleições e de fazer um bom trabalho na Câmara. Só temos que ter a preocupação de dizer aos eleitores que já basta, que é preciso mudar e que somos capazes de fazer melhor que os socialistas. É preciso mostrar às pessoas que temos um pensamento estruturado e não ideias em cima do joelho. Ou seja, temos que pegar no presente, nas asneiras que se fizeram de há 20 anos para cá e perspetivar o que queremos nos próximos 20 anos.
P – Acha então que a Guarda tem sido gerida de forma avulsa e sem objetivos de desenvolvimento?
R – Tem, claramente. Vivo na cidade há 50 anos e encontro situações de mobilidade em que a diferença de então para hoje é que esses caminhos em terra batida foram apenas asfaltados. Bastaria tê-los recuperado para ruas e estradas para evitar uma VICEG nas condições em que foi feita, que é uma total negação ao desenvolvimento de uma cidade. Uma via rodoviária urbana não serve para que os carros circulem com velocidade, serve para planear uma cidade, o que, no caso da Viceg, só existe em dois pequenos troços: entre a rotunda dos Galegos e a do parque industrial e depois entre as rotundas das piscinas e de Alfarazes. Aqui há vias paralelas que permitem o desenvolvimento urbano. Os responsáveis autárquicos sabiam que iam ser feitas a A23 e a A25, portanto deviam ter pensado numa Viceg mais urbana, mais aconchegada à cidade, e que permitisse o seu desenvolvimento. Esta é uma asneira que tem importância e impacto na gestão da cidade.
P – Hoje, ao contrário do que seria lógico, ainda continuamos a ver a construção de rotundas como opção estratégica da cidade – veja-se a mega rotunda da Ti’Jaquina, que não vai servir para nada porque falta a ligação à Viceg.
R – Parece que o único objetivo dessa intervenção foi desalojar o célebre quiosque, pois só tinha lógica se já se tivesse começado a construir a ligação à Viceg. Esta ligação é uma via muito necessária, pois seria o principal acesso ao centro da cidade, mas também aqui a Câmara fez asneira quando pensou numa grande alameda, com quatro vias, mais duas paralelas. Entretanto, a Câmara ter-se-á perdido e emaranhado em questões diversas e não avançou com nada, apesar do mínimo necessário na altura – quando era vereador – pois era comparticipada pela Estradas de Portugal. Abdicou-se disso e foi um erro de gestão, que veio do mandato de Maria do Carmo Borges e que Joaquim Valente não soube resolver. Mas há mais. Não se admite que a propalada variante à Sequeira, entre a rotunda do MacDonalds e a estrada de Pinhel, para resolver um problema de trânsito que está identificadíssimo há anos na Avenida de São Miguel, ainda não tenha sido construída… A rede de circulação na cidade é toda mal pensada. Por exemplo, ninguém percebe porque a estrada entre as piscinas e as Panóias (Barracão) não é uma via estruturante. O mesmo acontecendo entre a rotunda do Intermarché e o acesso à A23. Há questões que, em termos urbanos, são uma negação no pensamento desta Câmara, pois quando têm que resolver problemas de mobilidade pensam nos carros e não nos cidadãos. De resto, hoje, já não se admite que uma Câmara não faça um orçamento participativo, em que envolve os cidadãos – fizeram uma Agenda XXI, mas a sua utilidade foi zero. O problema do município da Guarda não é só financeiro, é também de que todo o seu património está altamente degradado. Vamos a outros concelhos e cidades vizinhas e não vemos um buraco ou um lancil fora do lugar, os espaços verdes estão devidamente tratados. Portanto, precisamos de três grandes investimentos – e não sei como os vão conseguir fazer: a recuperação do património municipal degradado, o pagamento das dívidas e projetos mais estruturantes.
P – E a plataforma logística? Passados mais de dez anos, não acha que tem dado pouco à cidade?
R – Por dois motivos. Primeiro, idealizou-se um projeto estrategicamente correto, muito positivo, de envolver as empresas. Mas fez-se uma sociedade PLIE, SA que nada tem a ver com o que lá está. Há uma sociedade que era suposto gerir o espaço, mas este é da Câmara. Portanto, a autarquia enganou os privados e falhou redondamente, penso até que nunca esteve muito preocupada com isso nem quis efetivamente que o projeto fosse de iniciativa empresarial. Depois, em parte nenhuma do mundo, a não ser na Guarda, se localiza uma plataforma afastada das autoestradas. Qualquer pessoa que passe por cá diz «mas que burros que são aqueles indivíduos da Guarda que, tendo o cruzamento de duas vias férreas e de duas autoestradas, localizam uma plataforma logística escondida das autoestradas e com quilómetros para lá chegar». O valor dos terrenos tinha importância? Não havia outros? Custavam mais junto à autoestrada? Ok, mas valia a pena. Isto é sintomático de quem não tem um bocadinho de visão a 20 anos, mas apenas uma visão muito caseira, porque o PS e as suas pessoas já estão há tantos anos na Câmara que se acomodaram de tal forma que até deixaram de ter qualquer interesse ou obrigação. Já entendem aquilo como deles e, portanto, fazem as coisas como querem e lhes apetece.
P – Isso explica o fracasso do projeto em termos de negócio?
R – Vou dando conta de que se vão fazendo construções, mas os responsáveis autárquicos têm a obrigação de, nas suas viagens, ver o que se faz por lá e copiar para trazer para a Guarda. É simples. Na altura da campanha para as autárquicas de 2005 falei com um antigo secretário de Estado, que foi responsável pela abertura da AutoEuropa em Portugal, sobre a necessidade da Guarda ter um apoio de pessoas experientes para trazer para cá empresas, pois é preciso vender a Guarda.
P – Acha que isso não tem sido feito?
R – De certeza absoluta. A plataforma logística está errada na sua conceção, mas o PSD tem pessoas com capacidades, caso seja poder, de efetivamente resolver o problema da PLIE, de captar investimentos, venham eles de Angola, da Venezuela ou da Europa.
P – A Guarda falhou toda essa dinâmica por culpa de quem?
R – Por falta de uma visão de 20 mais 20. Ou seja, temos que viver o presente aproveitando a experiência do passado e perspetivando o futuro. Mas a Guarda tem-se limitado a viver o próprio momento.
P – Acha que a Guarda teve azar nos seus executivos ao longo dos anos?
R – Teve. A culpa é dos presidentes de Câmara, mas também do PS. Fico de boca aberta quando a Assembleia Municipal da Guarda felicita o presidente porque pintou as ruas, o que é a mesma coisa que darmos os parabéns a um filho porque lavou a cara de manhã. A Assembleia Municipal existe para aprovar os orçamentos e também para exigir do executivo determinadas ações. Ora, não me lembro de uma intervenção acutilante daquele órgão para ajudar o presidente e o executivo a fazerem melhor. Não, a única preocupação da maioria socialista na Assembleia, alguns até com chacota, é deitarem abaixo o que diz a oposição. Os deputados do PS estão ali apenas preocupados com a ação político-partidária e mais nada quando qualquer presidente de Câmara o que precisa é ter atrás de si uma Assembleia acutilante, exigente, que ajude e que obrigue a resolver os problemas e não o contrário.
P – Ou seja, mais do que do executivo, a culpa é da forma como o PS funciona na Guarda?
R – Exatamente. É um problema de todo o PS, que também tem pessoas capazes, que tem a ver com uma acomodação e o resolver os problemas para dentro e não para fora. Um cidadão vai à Câmara resolver um problema, mas o processo circula por vários serviços onde anda oito, quinze dias ou um mês ou dois. Isto é muito simples de resolver, basta que haja dedicação, vontade, criatividade e inovação. Mas um partido que está há tantos anos numa autarquia já não tem nada disso, está acomodado e por isso é necessário mudar.
P – Está confiante quanto a essa possibilidade de mudança nas próximas eleições?
R – Sou otimista quanto à necessidade que tal aconteça e sou otimista quanto à capacidade de novas pessoas traçarem novos rumos para a Guarda. Vem aí mais um QREN, a que é preciso concorrer com sobriedade, pois não deve ser o facto de darem dinheiro que deve nortear as Câmaras a fazer obra, como aconteceu na Guarda.
P – O que foi bem feito durante estes anos?
R – Embora discorde do projeto de arquitetura, o TMG e o seu projeto cultural é positivo. Mas em tudo aquilo que fazemos temos que pensar numa coisa que se chama IVA – Introduzir Valor Acrescentado –, e não tem que ser obrigatoriamente financeiro, pode ser económico, social, cultural.
P – O que poderia ter sido feito para dar uma nova dinâmica à Guarda e não o foi nestes anos?
R – O futuro da Guarda tem muito a ver com tecnologias de comunicação e informação. Álvaro Amaro dizia que a Guarda é um “diamante por lapidar” e eu digo que o Politécnico é “uma mina de diamantes”. Podemos pensar num somatório de pequenas empresas que, no seu conjunto, transformariam a Guarda numa cidade tecnológica. É uma vertente que devemos procurar. Tem que haver uma ligação efetiva entre o IPG e a cidade, que tem que puxar pelo Politécnico – e este também tem que se abrir. Só há uma entidade que o pode fazer: a Câmara Municipal, que é o motor de desenvolvimento. Depois temos outra área, que, infelizmente, foi abandonada, que era a possibilidade de haver desporto de alta competição. Em Vila Nova de Foz Côa, o atual presidente entrou há três anos e já fez um centro de remo de alto rendimento, enquanto que a Guarda falou, estudou, analisou e ficámos a zero. Outro vetor seria o ambiental, biológico, de agricultura saudável. Então passávamos a ter uma cidade conhecida por três grandes vetores: tecnologias da informação, ecologia e desporto. A seguir, tínhamos o turismo. Isto não é teoria, é um desafio a pensar para os próximos 20 anos. Agora é preciso fazer, ter um rumo… Por exemplo, a Quinta da Maúnça é um projeto que tem aspetos muito positivos, mas será a altura de evoluir mais um bocado. Também é preciso valorizar os nossos produtos endógenos, precisamos de um regresso à agricultura como atividade de criação de riqueza e geradora de turismo. Por exemplo, ainda vemos muito poucos rótulos da zona da Guarda em produtos tradicionais. Por que é que a Associação dos Artesãos da Serra da Estrela, sediada em Seia, não tem uma delegação na Guarda, por exemplo?
«A economia social não devia ser tão importante quanto é na Guarda e no distrito»
P – Como é que a ADM Estrela, que está na Guarda, em Manteigas e Pinhel, vê esta realidade de dificuldades, de crise, e como colabora para minorar os problemas das pessoas?
R – O principal reflexo que a ADM sente diariamente é a quantidade de pessoas que, em situação dramática, nos veem pedir trabalho. É muita gente com mais de 40 anos, mas já se verifica um fenómeno social interessante, pois a população jovem da Guarda está a aumentar. Muitos daqueles que foram estudar fora, como não arranjam trabalho em Lisboa e nas cidades do litoral, estão a regressar a casa dos pais.
P – Pelo que se vê na cidade, parece o contrário. Não acha que está a haver um esvaziamento da cidade e da região com esta crise?
R – A emigração é um mal necessário e temos que o transformar em algo positivo, como oportunidade. Penso que os portugueses têm essa qualidade de transformar os aspetos maus em coisas boas e veremos o resultado disso. Falta saber se também os governos são capazes de perceber esta qualidade do povo e dar o acompanhamento correto a essas necessidades. No caso da Guarda, a situação é mais grave porque a probabilidade de retorno dessas pessoas é muito pequena.
P – A economia social tem sido praticamente o único setor em crescimento nesta região. Como presidente de uma IPSS, não lhe parece pouco ambicioso para a região ver crescer só a economia social?
R – Esta economia social é necessária, agora não devia ser tão importante quanto é no contexto da Guarda e do distrito. Por exemplo, o número de colaboradores que a ADM Estrela tem, entre 60 a 70 pessoas, não devia ser significativo para um concelho como o da Guarda. Mas hoje até começo a pensar que já é significativo se compararmos com as empresas. É evidente que 80 por cento das receitas da ADM, e das outras IPSS, vêm do Orçamento de Estado e, no nosso caso, até de fundos comunitários. Isso significa que se não formos nós, instituições, a captar este dinheiro para a nossa região, outras de outros distritos ou países o farão. Portanto, isso é positivo e felizmente a Guarda é dos distritos do interior aquele que está mais à frente na economia social porque, há cerca de 25 anos, houve uma dinâmica enorme de criação de IPSS e de construção de centros de dia, lares e creches. Efetivamente, a economia social é necessária mas não tem que ser um objetivo, tem é que ser um complemento da economia real por forma a dizer às empresas que há condições na Guarda para se instalarem.
P – Mas essa economia social acabará por prestar serviços sobretudo a idosos?
R – Daqui a uns tempos já nem a pessoas idosas… Mas na ADM temos um slogan que é “numa lógica de empreendedorismo e numa atitude constante de criatividade e inovação, promovemos a sustentabilidade da instituição”. Temos que ter esse cuidado permanente e adequar-nos ao nosso tempo, arranjando outras formas de receitas não tradicionais sendo que elas devem ser sempre na área social. Sempre que as instituições saíram da sua área e se meteram em atividades comerciais deu sempre asneira, não vale a pena. Uma IPSS é uma instituição social, deve trabalhar sempre nessa vertente, mas também há formas de pensar e estudar o futuro para que não haja colapso. Se a crise persistir no país, não sabemos quando é que se começa a cortar neste setor. Na prática, a atividade das IPSS são complementos aos rendimentos das famílias, às reformas e ao RSI, portanto é uma forma do Governo continuar a ajudar os mais carenciados. Não quero pensar que haja dificuldades de dinheiro para estas áreas, mas a situação do país a todos preocupa.
P – A ADM abriu recentemente outro serviço em Pinhel. Em que consiste?
R – Temos há bastantes anos uma valência de centro de atividades ocupacionais que se destina essencialmente a jovens portadores de deficiência, cujos pais estão preocupados com o seu futuro. E surge em Pinhel porque dos planos estratégicos da Segurança Social, e em termos de uma cobertura correta do distrito, percebeu-se que havia uma falha na zona de Pinhel, Figueira de Castelo Rodrigo e parte de Almeida. Ali encontrámos uma pré-disponibilidade total da Câmara, enquanto a Misericórdia local cedeu-nos o edifício, que acolheu o antigo hospital e, mais tarde, a GNR. O imóvel e a capela diziam alguma coisa aos pinhelenses e quando iniciámos a sua recuperação começaram a interessar-se pelo que ia ali funcionar. Neste momento sentimos uma população envolvida no projeto e que facilmente os nossos utentes vão interagir com a população. Isto não aconteceria na Guarda porque é uma cidade maior.
P – Que pessoas vai receber?
R – Tem capacidade para acolher 22 residentes e mais 26 utentes no centro de atividades ocupacionais. Os que dormem não são obrigatoriamente de Pinhel, podendo ser inclusivamente cidadãos da União Europeia. Aliás, já temos um jovem que veio de Inglaterra, embora de origem portuguesa, cujos pais por lá continuam. O centro chama-se Residência Léa Nobre – em agradecimento a uma família que nos fez uma doação para este equipamento social – e nele trabalham cerca de dez pessoas.
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Perfil:
José Gomes, 56 anos, é natural de Vale de Estrela (Guarda). Licenciado em engenharia civil pelo Instituto Superior Técnico, onde foi aluno de Edgar Cardoso, tendo regressado à Guarda por opção na década de 80. Criou um gabinete de projetos, foi responsável por todo o processo de planificação, construção e equipamento do campus do Instituto Politécnico da Guarda. Foi técnico superior da Segurança Social, entre 1984 a 1995, tendo acompanhado as IPSS na construção de lares, centros de dia e creches. Foi ainda administrador-delegado da Associação de Municípios da Cova da Beira (AMCB), responsável pela implementação da central de compostagem, coordenou a recuperação ambiental da região com a selagem das lixeiras e a instalação de ecopontos, ecocentros e centrais de transferência. A seguir, foi diretor de Estradas do Distrito da Guarda (2001-2003) e de Coimbra (2003-2008). Atualmente é técnico superior do IPG tendo sido consultor na área de ambiente de empresas privadas de obras públicas.
É presidente da direção da ADM Estrela desde 1999 até hoje, assumindo a partir de agora uma nova função executiva na IPSS.
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