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O preconceito da autocomplacência

Esta semana, em entrevista ao jornal “Público”, o Presidente da Associação da Hotelaria de Portugal, Raul Martins, expôs um conjunto de ideias feitas sobre o interior que revelam bem a necessidade de uma estratégia para o interior mais assumida e de vozes que a protagonizem contra uma visão negativa sobre o interior e que, na sua essência, prejudica o país todo.

A propósito de uma estratégia territorial para o turismo, Raul Martins afirma ser um erro «construir autoestradas no interior para incentivar investimentos…» Em seguida, interrogado sobre a existência de pontos de atração no interior, replica: «O que é que pode reter as pessoas ali?» Defende que «só aspetos diferentes» e acrescenta que é utopia «esta vontade de que no interior se criem condições para atrair pessoas». Interrogado então sobre o que fazer, remata que não há aqui um problema – «É o que é. Por que é que hão de viver tantas pessoas no interior como no litoral, quando o litoral é melhor?»

No dia a seguir à sua publicação, a entrevista com Raul Martins mereceu da direção editorial do “Público” um bom editorial com o título “Utopias incómodas” opondo-se à agenda de que o país se deva resumir à sua faixa litoral. E fez bem, pois, à parte o desassombro, a visão de Raul Martins é bastante mais comum entre atores da vida social do que poderíamos talvez supor. Não é partilhada só entre muitos empresários do litoral, sejam de hotelaria ou de outras áreas de atividade. Mesmo entre universitários cheios de ciência não é difícil surpreender o mesmo olhar simplificador que opõe interior e litoral como se houvesse que ser feita uma escolha e, a ser feita, certamente uma escolha entre o “melhor” e o “pior”, como presume Raul Martins.

Na realidade, esta visão disfarça com muita petulância uma ambição confinada, que prefere o litoral ao país como quem prefere o caminho mas fácil para maximizar o seu interesse, mas que a prazo deita tudo a perder: o interesse dos outros, mas sobretudo o interesse geral e, no fim, o seu próprio interesse. O erro deste pensamento está precisamente na sua natureza confinadora: um país confinado ao litoral é um país confinado. Que já sendo pequeno, mais se apequena, a querer acabar logo ali depois de começar. Sem projeto além do que lhe basta para subsistir. Sem visão estratégica em suma.

Há que fazer exatamente o contrário do que defende Raul Martins – não dar por inexorável a tendência para a desertificação, não cruzar os braços, não se dar por conformado com menos. Sobretudo, não se olhar do litoral com o preconceito da autocomplacência, que disfarça falta de exigência. Pois, o problema nem é não viverem tantas pessoas no interior como no litoral, mas qualquer dia não viverem pessoas no interior. O problema não é não haver “atratividades” no interior e muitas no litoral, mas, pelo contrário, apesar das “atratividades” no interior e a ausência destas nos subúrbios do litoral não se criarem oportunidades que permitam às famílias e às empresas permanecerem ou fixarem-se no interior. O problema do interior é também esta falta de visão que não vê que o país é demasiado pequeno para que o dividamos. O “jardim à beira-mar plantado” de que falava Tomás Ribeiro referia-se a Portugal inteiro, com costa e interior.

Por: André Barata

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