Podemos estar a viver um momento daqueles que ficam na História, de que gerações e gerações de estudantes decorarão um dia afincadamente os pormenores. Não é que devamos orgulhar-nos disso, que não é façanha nenhuma vivermos sob um dos piores governos da História de Portugal. É verdade que não votámos nele, pelo que podemos clamar por inocência, assim como podemos dizer, em relação a Durão Barroso, que nos enganou com as suas falsas promessas, mas começa a revelar-se aqui um padrão e começamos a fazer colectivamente figura de tansos.
A sucessão de asneiras cometidas até aqui é impressionante. Podemos até dizer que nunca antes tantos ministros tinham cometido tantas asneiras em tão pouco tempo. Semana após semana os casos, as imbecilidades, as incompetências sucedem-se: a colocação dos professores, o barco do aborto, as reformas milionárias a ex-ministros, os golpes baixos na liberdade de imprensa e nas promessas eleitorais, as contradições sucessivas entre o que dizem os ministros e diz depois o primeiro-ministro. Este, já agora, em lugar de ser um primus inter pares, dá mais a ideia de ser o pior deles todos.
Numa situação destas impunha-se uma remodelação geral, a começar por Santana Lopes, mas o Presidente não quer. Ou porque tem um peculiar sentido do humor ou porque está à espera que o primeiro-ministro reconheça não ter habilidade para o cargo (já faltou mais), lá o vai deixando ficar.
O problema é que o plano deste governo começa a ser cada vez mais evidente e convinha pôr-lhe cobro quanto antes. O objectivo principal consiste, naturalmente, em ganhar as legislativas de 2006 (ou quaisquer eleições antecipadas antes desta data) custe o que custar. O objectivo secundário parece ser o de assegurar reformas milionárias para todo o elenco governamental. Como trunfo a utilizar neste plano, há a estupidificação geral do eleitoral levada a cabo com pertinácia e evidente sucesso por sucessivos ministros da educação – e a maior parte deles, convém recordá-lo, era do PSD.
No entanto, este governo não quer arriscar tudo neste trunfo e precisa de apresentar alguns resultados. Para já, temos a promessa de subir as reformas e os vencimentos dos funcionários públicos (em valores acima da inflação) – tudo mantendo o défice abaixo do limiar dos 3 por cento. É claro que outros mais competentes já o tentaram e não o conseguiram, mas há outros trunfos na manga. Em primeiro lugar, contratou-se uma empresa para cuidar da imagem do governo, que os profissionais da publicidade e do marketing são especialistas em fazer passar gato por lebre e é disto, precisamente, que se trata. Em segundo lugar, há sempre a possibilidade do recurso a alguma contabilidade criativa, devidamente apoiada numa cunha de luxo, que afinal de contas o presidente da comissão europeia é muito cá de casa e, se lhe disserem que o défice é inferior a três por cento, ele é homem para engolir sem grandes engulhos.
Mesmo assim a coisa pode não funcionar, que ainda há quem tenha dois dedos de testa e disposição para desmascarar esta tramóia em público, mas já se começou a tratar do assunto. Como muito pouca gente lê jornais, o alvo a abater era naturalmente a crítica na televisão, na pessoa de Marcelo Rebelo de Sousa, capaz de influenciar, só por si, mais de um milhão de eleitores. Outros se seguirão, assim como se seguirá uma nova e conveniente Lei de Imprensa e a destruição do que resta deste desgraçado país.
Por: António Ferreira